APRESENTAÇÃO DE TIME WITHOUT PITY À UNESCO EM 1960
Na opinião das pessoas competentes, Joseph Losey é um mito. As pessoas competentes são aquelas que descobriram Welles, Fellini, Kazan, Bergman e ainda muitos outros, de méritos não menos ilustres e não menos estabelecidos. Em um mundo onde tantos valores parecem vacilar, não iremos ainda estender nossa suspeita à competência dos críticos. Portanto, Joseph Losey é mesmo um mito. Apresentamos a vocês esta noite o filme mítico de um diretor inventado por nós. Haverá realmente alguma coisa sobre a tela? Nossa opinião sobre este assunto está suficientemente estabelecida para que não busquemos uma confirmação suplementar na vossa aprovação. Nós não tentaremos influenciá-los. Vocês julgarão por si mesmos.
O que haverá para julgar? Homens, mulheres, seus sentimentos, seus gestos, o cenário de um apartamento, uma luz crepuscular sobre um autódromo, a cólera e o terror de uma fera... Será este um universo falacioso, a aplicação de algumas receitas dramáticas inspiradas no “Actor's Studio”, como já se afirmou, ou a realidade ela mesma, cujo suporte de película apaga-se a tal ponto que os amadores do cinema, que não amam mais que a película, perdem o fio da meada, se desnorteiam e gritam até a impostura?
O problema talvez consista simplesmente em chegar-se a um acordo quanto à ideia de realidade, talvez simplesmente em determinar o que está no coração do real e o que está na superfície, o que está na eternidade do ser e o que está nas flutuações de uma inteligência incerta e cambiante, o que existe e olha, e o que não existe.
Quando não há nada a dizer de um artista é porque ele não aborda nenhum dos problemas essenciais, ou porque ele os têm todos resolvidos. Circunscrever implica limites ao objeto que circunscrevemos, descrever supõe que recortemos uma certa figura do universo, às custas de tudo o que não descrevemos. Como diz Chardonne, o amor é muito mais do que o amor. Tenho a convicção de que se eu falasse do perfume que uma noite senti na cálida nuca de uma mulher, ou deste palácio que nos oferece esta noite o abrigo de um de seus recessos subterrâneos, eu evocaria com mais precisão isso que nos ocupa – a arte de Losey – do que se eu retraçasse as linhas inscritas por este ímã na limalha das aparências.
Joseph Losey é um mito, ou é o esplendor do verdadeiro?
– Michel Mourlet