ENTREVISTA COM JOSEPH LOSEY
Michel Fabre e Pierre Rissient, Cahiers du Cinéma nº111, Setembro de 1960
ENTREVISTA COM JOSEPH LOSEY
por Michel Fabre e Pierre Rissient
Cahiers du Cinéma nº111, Setembro de 1960
— A sua mise en scène é uma experiência do real. Você não acha que essa experiência será mais completa na tela do que num palco?
— Eu comecei a fazer teatro sem esperar experiência alguma. Sequer pensei em fazer carreira nisso. Estudei teatro, não cinema, mas minha atividade teatral logo me levou a me envolver com documentários e comecei a montar filmes educativos a partir de filmes Hollywoodianos pré-existentes. Devo ter visto e estudado centenas de filmes por todos os ângulos. Mas devo dizer que, mesmo então, eu não pensava em fazer filmes. Só quando fui chamado a Hollywood para trabalhar de verdade com cinema é que me interessei realmente por essa forma de expressão e comecei a preferi-la ao teatro. Mas, para responder à sua pergunta, acho que sim. Uma grande parte do meu trabalho no teatro, o "Living Newspaper" por exemplo, teve pouquíssimas relações com o teatro tal como o concebemos atualmente.
Brecht.
— Sua colaboração com Brecht faz com que alguns considerem você como um de seus discípulos…
— Na verdade, nunca prestei muita atenção às teorias teatrais ou cinematográficas. Na época em que eu estava encenando Galileu, falava-se muito sobre as teorias brechtianas e começaram a dedicar alguns estudos a elas. Eu li a maioria destes, mas minha experiência pessoal de trabalho com Brecht me permite dizer que o próprio Brecht nunca seguiu suas teorias de forma rígida. Elas talvez fossem-lhe úteis para escrever, mas ele suspeitava delas pelo menos tanto quanto as respeitava. No que diz respeito aos atores, por exemplo, ele se servia de tudo o que poderia realmente servir: se o método de Stanislávski convinha, muito bem, mas se ele julgasse mais útil uma abordagem toda externa do ator, sem interioridade de qualquer tipo, era esse o meio que ele empregava. No que me concerne, nunca abordei uma obra, minha ou não, com uma teoria em mente. A teoria é certamente muito útil para os críticos, mas não acho que ela o seja para os cineastas no momento em que eles devem tomar decisões quanto à sua mise en scène. Como eu já disse, eu conheço bastante bem as teorias teatrais – muito pouco, praticamente nada as teorias cinematográficas. Na minha infância vi um bom número de clássicos, os Griffith por exemplo, mas, espectador ou realizador, eu jamais considerei um filme como um teórico, e jamais pensei que fosse algo possível ou mesmo interessante de se fazer.
Talvez gritem que é heresia, mas eu, por exemplo, jamais pude considerar seriamente o laborioso trabalho de Eisenstein. Conheci Eisenstein em Nova York, quando da sua primeira viagem à América para filmar American Tragedy lá; eu o revi em Moscou alguns anos depois; acompanhei alguns de seus cursos moscovitas; fiz parte de um grupo ao qual, durante várias noites, ele expôs todas as suas teorias: eu as achava, de minha parte, mortalmente entediantes e realmente desinteressantes. Não nego que Eisenstein tenha agregado alguma coisa ao cinema, mas seus filmes hoje revelam-se pesados e acadêmicos. E isso se deve, acredito, para muitos, ao fato de que ele queria a qualquer custo que eles fossem carregados por suas teorias às custas da mais simples prática.
O Conhecimento.
— Já falamos extensamente sobre o conhecimento que certos heróis de seus filmes têm de si mesmos…
— Um homem que viveu em conflito e que, num dado momento, pode se ver ou ver o que está acontecendo com ele, e adquire assim uma espécie de conhecimento. Tomemos o personagem de M. Ao longo de todo o filme ele não tem esse conhecimento de si mesmo, porque senão ele não agiria como age, mas quando finalmente ele é pego na armadilha, quando não há mais escapatória, há para ele um momento de verdade total, ele pode então dizer a maioria das coisas que subitamente o afligem, comunicá-las assim às pessoas que o cercam e, da mesma forma, ao público. É o mesmo com o personagem de Time Without Pity: em determinado momento, ele pode se conhecer bem o suficiente para entrever algo e depois dizer quais eram seus motivos, para dar uma espécie de explicação de sua vida, em termos que ele jamais tinha vislumbrado nem poderia ter vislumbrado antes. Quando esses personagens chegam a esse conhecimento, geralmente é quando o mundo já está definitivamente fechado para eles, quando não podem mais escapar; a sua explicação, aliás, quase sempre gira em torno do que o mundo fez com a sua personalidade em particular.
— Em The Prowler, há também o conhecimento de toda uma ordem social, internalizada em Webb Garwood...
— Garwood não sabe se ama Susan pelo dinheiro dela ou por ela própria; ele precisa do amor dela – do tipo de amor que ela pode oferecer – mas seus valores morais são valores monetários, por isso ele a persegue muito calculadamente, para ter esse dinheiro; uma vez que ele possui ambos, ele descobre outros valores, e é somente quando ele é confrontado pelo desprezo de Susan, e perto de morrer, no final do filme, que ele subitamente percebe seu próprio conflito interior, que compreende os valores e os motivos que o guiaram. Se você se lembra, ele se vira então para ela e lhe diz: "Eu fiz por tanto de dinheiro, fulano faria por outro tanto e sicrano por tanto. Em outras palavras, eis os valores do mundo em que vivo". É o seu momento de verdade, de conhecimento, e é esse o tema do filme.
— O conhecimento deve ser completo. Susan, bem na frente dele...
—Após o assassinato de seu marido, Susan por um instante rejeitou Garwood, instintivamente; em seguida ela o aceita, completamente, como homem, como esposo, em um nível totalmente diferente, ela aceita acreditar no que ele diz. Mas ela é finalmente forçada a voltar à sua primeira impressão, à sua primeira atitude.
— Seus filmes apresentam-se como julgamentos. Eles são trazidos ao conhecimento do público. É essa a razão da articulação teatral do diálogo?
— Sim, certamente o conflito dramático assume essa forma particular em alguns de meus filmes, talvez até em todos eles. Naturalmente, tudo o que faço é dramatizado, a fim de que possa ser analisado; e nesse sentido, o diálogo é teatral, para permitir ao público que compreenda o que está realmente acontecendo – por qual via, em que momento chega-se ao conhecimento – enfim, para permitir que ele também chegue a esse conhecimento. Era um princípio com Brecht, e o único com o qual estou completamente de acordo: no momento em que a emoção interrompe o curso do pensamento do público, o diretor fracassou.
O trabalho do roteirista.
— Qual é o seu método de trabalho, hoje em dia?
— Acredito fortemente, por experiência, que é uma coisa muito específica do cinema: um filme é uma obra coletiva e é também e ao fim uma obra estritamente pessoal. Todos aqueles que trazem sua contribuição ao diretor – roteirista, atores, designer de produção, fotógrafo ou montador – devem trazer uma contribuição eminentemente pessoal. Gosto de trabalhar com um ator colaborativo. Hoje em dia podemos filmar tomadas muito longas se os atores são capazes de sustentar seu esforço pelo mesmo período de tempo. Já trabalhei muito frequentemente assim: isso permite que os atores atuem juntos em continuidade, o que é sempre infinitamente proveitoso. Se o diretor gosta do que o ator faz, se ele sabe descobrir quem é o ator, e se pode fazer uso disso, podemos obter resultados surpreendentes, com a condição, é claro, de que o ator sinta essa confiança do diretor nele. Por outro lado, um roteirista não poderá escrever adequadamente se for totalmente controlado pelo diretor ou produtor. Evidentemente, a melhor maneira de escrever ou, pelo menos, de abordar um roteiro será, para o roteirista, conversar da maneira mais específica possível com o diretor antes de começar a escrevê-lo; mas em seguida, quando for escrevê-lo, escrevê-lo todo sozinho e de uma só vez. Uma vez concluído, o roteiro pode ser conservado, reescrito ou rasgado, mas o material está lá.
Apenas tome cuidado: ninguém deve exceder sua função. Às vezes, sobretudo em Hollywood, o roteiro é escrito de forma tão detalhada que o roteirista fica tentado a reivindicar a autoria da direção. Por ter descrito os planos de maneira muito minuciosa, por ter esgotado todas as possibilidades da cena, por ter até mesmo indicado muito precisamente quais deveriam ser os movimentos da câmera, leva a pensar que o diretor não tem nenhum trabalho a não ser seguir suas instruções. E ás vezes, aliás, mas raramente, graças a Deus, isso é mesmo tudo o que o diretor se contenta em fazer; mas podemos então falar de um diretor? Ainda assim, fato é que o roteirista que pensa que se tornou diretor por ter escrito um roteiro muito detalhado está fortemente enganado; podemos, em grande medida, prever um grande fracasso se este vier a ser realizado.
Pessoalmente, prefiro muito mais não ter um roteiro muito decupado. The Criminal, que acabei de terminar, tem cerca de 380 planos. Alguns são muito longos, o que é bastante frequente em meus filmes. O roteiro que eu peguei em mãos, e que não foi modificado depois do início das filmagens, tinha, creio eu, 75 descrições. Era meu trabalho decupar o roteiro, e foi o que fiz. A ideia de ter que filmar um roteiro que de início conta com 380 ou 400 descrições me é intolerável. Nesses casos, eu não sigo jamais a pré-decupagem. Talvez eu devesse ter decupado The Criminal um pouco mais antes das filmagens, isso teria facilitado o trabalho, mas disso para considerar um roteiro de 400 descrições... Principalmente porque acho que é muito limitador. Levei um tempo para aprender isso.
No set.
Quando comecei, eu era aterrorizado pelas minhas responsabilidades de diretor. Eu não podia conceber a ideia de chegar no set sem saber exatamente o que seria cada plano de cada cena. Hoje sei que essa forma de proceder limitava as minhas possibilidades. Se sentia necessidade disso na época, isso devia-se mais à minha inexperiência do que qualquer outra coisa. Depois, a cada filme, eu me sentia mais seguro do meu trabalho, da minha própria capacidade de ver as coisas na minha cabeça; o que faço desde então: escrevo as linhas gerais da rodagem para mim mesmo, e o resto está na minha cabeça. Por exemplo, uma manhã, antes de sair para o estúdio, prepararei no papel uma pré-decupagem das cenas a serem filmadas no dia, e digamos que essa pré-decupagem tinha 13 planos. Uma vez escrita, é provável que eu não dê sequer uma olhadela nela o resto do dia. À noite, posso ter filmado tudo em 8 planos, ou 18. Não tenho mais necessidade do enorme trabalho de preparação que me era necessário quando comecei. Eu gosto, é claro, de preparar um filme muito cuidadosamente no que concerne ao estilo, à forma, ao desenho; gosto de saber precisamente o que vou fazer, contanto que o tempo me permita. Mas também gosto de saber que posso me desligar dessa preparação, para poder me aproveitar não só de uma nova ideia, mas também de uma possível contribuição dos atores, do fotógrafo ou, posteriormente, do montador. Não se preparar é ridículo. Mas se preparar demais, ou ser muito rígido frente a sua preparação é pelo menos tão ridículo quanto. Na hora de filmar tudo torna-se tão diferente: há por exemplo um nervosismo enorme e uma espécie de empolgação que não existem antes da filmagem. E é justamente essa tensão e essa "empolgação", unidas à energia física gasta durante a filmagem, que dão forma e estilo ao filme.
Temos que admitir de uma vez por todas que o roteiro é apenas um simples veículo, ou melhor, um trampolim para o diretor. Não quero dizer com isso que deve-se ignorá-lo, senão de que serve escrevê-lo? Simplesmente acho que o papel do diretor não é de forma alguma, como alguns parecem pensar, levar a cabo a transcrição visual de uma história escrita. Portanto, eu prefiro muito mais, no que me diz respeito, receber idéias visuais dos meus roteiristas. Alguns são muito dotados para isso: eles "vêem" sua história e a escrevem visualmente, por assim dizer. É evidente que tal contribuição estimula a invenção do diretor, ao “atrair” realmente as imagens. Portanto, os melhores roteiristas são, a meu ver, aqueles cuja escrita traz e sugere imagens, mesmo que não sejam as que eles pretendiam sugerir.
O diretor deve, portanto, por assim dizer, dominar essa contribuição individual coletiva, e isso ao longo de todo o filme. Qualquer filme que não tenha a marca inteiramente pessoal de seu diretor não pode ser um bom filme. Não quero dizer que todo trabalho coletivo deva se conformar a um ponto de vista pré-concebido, não. Simplesmente, a personalidade do diretor deve ser mostrada a todo instante e por todo o filme. Caso contrário, o filme será um fracasso. Também o será, com a mesma certeza, se o realizador, consciente ou inconscientemente, asfixiou as possíveis contribuições pessoais das várias pessoas que trabalharam no filme, justamente no momento em que estas deveriam propor-las a ele.
O cenário.
— Todos os seus cenários trazem sua marca pessoal.
— Minha resposta será um prolongamento do que acabei de dizer. Claro, é meu trabalho pessoal, mas em colaboração. Eu não sou pintor. Eu gostaria de ser, mas talvez é melhor que não o seja. É o caso que, tratando-se do cenário, procuro sempre que possível trabalhar com um artista. Nos EUA, se vocês se lembram, foi John Hubley, que vocês conhecem como o fundador da UPA (United Productions of America) e que hoje tem sua própria empresa, a Storyboard. Aqui, tive a chance de conhecer Richard Macdonald. Macdonald é considerado um grande pintor na Inglaterra, e realmente o é. Blind Date é o único filme no qual seu nome aparece nos créditos, mas ele trabalhou em todos os meus filmes ingleses e trabalhará ainda mais próximo de mim nos meus próximos filmes, já que finalmente é um membro pleno do sindicato profissional, e também porque ele o deseja ao ponto de livrar-se de qualquer outro trabalho. Ele tem uma imaginação cinematográfica muito grande, e esta vai de encontro à minha. Ele também é dotado de grande presteza: se eu lhe apresento uma ideia, ele a apanha imediatamente e pode rapidamente traduzi-la em imagens. Sempre gosto de definir o estilo visual de um filme antes de filmá-lo, e gosto de fazer isso colaborativamente. Por isso estou especialmente contente por me dar tão bem com Macdonald.
Por exemplo, em Time, eu desejava uma decoração para o apartamento dos Stanfords que implicasse a brutalidade do personagem de Leo McKern. E foi Dick quem teve, entre outras coisas, a ideia de usar o Touro de Goya, que é realmente extraordinário. Cabe a mim a maneira pela qual fiz uso da pintura, mas a ideia do Touro veio da minha discussão sobre o cenário com Dick. Isso é o que quero dizer com trabalho coletivo. Se Dick não tivesse entendido o que eu queria a ponto de poder sugerir o uso do Goya, ou se eu tivesse recusado a sua sugestão... Agora, para a cena em que Stanford está testando seu protótipo, fui em busca de locações externas, querendo encontrar uma pista de testes privada. Mas assim que vi os terraços do Crystal Palace, soube imediatamente que havia encontrado algo melhor. Quando mais tarde ele viu esse cenário natural, tudo o que Dick fez foi compartilhar do meu entusiasmo. Esses exemplos servem para dizer a vocês que ora a ideia vem de um dos meus colaboradores, ora de mim. No fim, é tudo sobre saber se e como o diretor faz uso delas.
Um estilo visual.
— As cidades, em todos os seus filmes, são o prolongamento exato dos interiores no mundo.
— Claro. Nem sempre é consciente; mas assim que começa-se a trabalhar em um filme, assim que começa-se a buscar um estilo para ele, é bem óbvio que ele vai, aos poucos, carregando em si algo como um conceito que vai guiar você, especialmente quanto aos cenários, e você estará às vezes bem ciente disso. Para mim, o visual, falando tanto do cenário quanto da composição ou dos movimentos, é muito importante em um filme. No caso do M, por exemplo, assim que vi o prédio comercial – e já tinha visto não sei quantos outros prédios antes – soube que era o certo. Sem poder explicar o porquê de uma forma muito precisa. Da mesma forma para a casa do assassino, para a parte antiga de Los Angeles disposta atrás do banco em que David Wayne se senta... Todos esses cenários tinham algo em comum, deveriam ter algo em comum, porque um estilo estava já determinado, e eu não tentei "colar" o filme à força nos exteriores, mas antes encontrar cenários naturais que correspondessem à ideia que tive de qual deveria ser o estilo do filme.
— Em Gypsy você não alcançou esse estilo visual?
— Sempre procuro um estilo visual em um filme; e uma das razões pelas quais empreendi Gypsy – já disse a vocês que não gostei do roteiro – foi porque achei ter encontrado a oportunidade de fazer um exercício de estilo. E creio, aliás, ter conseguido em certa medida representar a cor exata, a composição das gravuras coloridas de Thomas Rowlandson cuja vitalidade ilustra notavelmente esse período muito preciso da história da Inglaterra. Jack Hildyard, Richard Macdonald e Ralph Brinton compartilhavam dessa ideia, e chegamos a esse estilo visual. Infelizmente, como você sabe, o estilo do filme foi estragado, entre outras coisas, por uma trilha musical falsa, sentimental, lenta, pesada, sem personalidade, contra a qual lutei fortemente. E também pelo fato de os produtores terem contrariado fortemente a minha montagem. Mas se você puder ver o filme sem o som, acho que concordará que seu estilo visual é bastante extraordinário.
— A ação de M está inscrita no cenário. Nenhuma outra ação é possível nele. Da mesma forma em Time. E talvez em The Prowler. Por outro lado, os cenários não determinam a ação de The Boy With Green Hair e The Lawless...
— Claro, outras ações poderiam ocorrer nos cenários de Boy e Lawless. Outras ações poderiam acontecer nos cenários de Prowler, ainda que a arquitetura espanhola da casa dos Gilvray, por exemplo, esteja muito conscientemente ligada ao tema do filme. Mas vocês estão totalmente certos quanto a M e Time e fico feliz que tenham notado. Acho que fiquei mais consciente da importância do cenário nos filmes seguintes.
Um branco muito puro.
— Achamos que para você os problemas do cenário e da fotografia estão estreitamente ligados, que encontram-se integrados no ato de encenar.
— Não sei se o que vou dizer responderá totalmente à sua pergunta, mas acredito que sim. Quando eu estava preparando Blind Date, eu queria que as cenas de amor fossem sempre durante o dia, nunca à noite. Macdonald imediatamente me aprovou e sugeriu que uma espécie de luz muito branca fosse o cenário dessas cenas. Se vocês se lembram, elas são efetivamente iluminadas por uma luz de um branco muito puro que muitos fotógrafos não teriam jamais fotografado; pelo menos tentariam atenuá-la. Felizmente, Christopher Challis sabia o que queríamos e ficou encantado em fotografar neste branco puro. O ateliê de Jan é branco, a galeria de arte em Bond Street é branca, a Tate Gallery é branca. Por outro lado, o apartamento da vítima é escuro e contrasta com a luz dessas cenas.
— Poderia nos falar da cor de The Boy With Green Hair?
— Eu queria, neste filme em Technicolor, usar apenas cores neutras, isto é, cores que não fossem coloridas, ao contrário do que havia sido feito até então; acho que fui bem-sucedido nisso em certa medida. Isso foi muito consciente. Para mim, com frequência perde-se eficácia e realidade com a cor e, muitas vezes, dramaticamente falando, é um desastre. Mesmo que você não tenha a intenção, seu filme parece irreal. Eu queria, em Boy, desembaraçar-me do colorido que preferiam para a cor naquela época, e acho que consegui. Também tentei não dar o aspecto de um filme de grande orçamento, o que de fato era: US$900.000 naquela época, mesmo para um filme em Technicolor, era uma quantia muito grande. Por isso, procurei cenários pequenos e simples.
— Você se lembra, em M, da fuga de David Wayne e particularmente do momento em que ele desce a escadaria. Temos a impressão de que a cena é considerada ao mesmo tempo de muito perto e de muito longe.
— Trata-se de um filme que não revejo há anos; mas, se não me falha a memória, a cena em questão na verdade era composta por dois planos, e tenho certeza que vocês se lembram, vocês que assistem meus filmes com tanta atenção. Vocês devem estar falando do plano de conjunto. A explicação provavelmente é que David Wayne tinha que descer toda a escadaria; então, mesmo no plano de conjunto, a silhueta realmente "executava" cada degrau. Eu gosto muito dessa seqüência, mas não posso dizer hoje se eu estava ciente ou não do que estava fazendo na hora. Eu estava ciente das cenas que queria... Mas isso nos traria de volta à questão das teorias.
Um olhar exato.
— Você busca o olhar mais claro possível, o mais exato. Por exemplo, em Blind Date, quando Stanley Baker (Morgan) joga Hardy Krüger (Jan) no chão.
— Precisamente nesta cena, devo dizer que até certo ponto falhei. Eu tinha uma intenção bem-definida e acho que não consegui torná-la sensível: queria que compreendêssemos que a violenta reação de Morgan era devida ao fato de que Jan acabara de agarrá-lo. A reação seria então uma reação de auto-defesa, de um homem que não tolera que lhe encostem a mão, e que acima de tudo tem dificuldade em aceitar que deve fazer de tudo para implicar em um caso de assassinato um menino que ele suspeita ser inocente. Mas Krüger agarra Baker com tal vivacidade que a maioria das pessoas não tem tempo para realmente perceber que ele o agarrou, e geralmente só percebem a reação violenta de Morgan. Se vocês querem dizer que, naquele segundo preciso da cena, eu queria mostrar a reação imediata de um personagem sem que a câmera fosse outra coisa que um olhar sobre essa reação, vocês têm razão. De toda forma é um segundo que carrega em si muitos outros momentos, pelo menos na intenção, já que reconheço ter fracassado na sua realização. Este segundo é tomado de uma maneira precisa, pode-se dizer. Existe em The Criminal uma cena em que um jovem prisioneiro se joga do terceiro andar da prisão e se esmaga no chão. Um instante antes de sua queda, os prisioneiros se revoltaram. Quando o corpo atinge o chão, tudo fica imóvel: os guardas, os prisioneiros, todos param. Não há reação por alguns segundos. Se quiserem, esta cena também é exata: nada foi adicionado a ela, a câmera contentou-se em registrar a queda e a reação que ela provoca, tudo no espaço de cerca de dez segundos, não sei dizer exatamente, a montagem ainda não está finalizada. Durante esses dez segundos, há três planos, dentre os quais o do garoto durante a queda, que provavelmente é curto demais para o olho registrar conscientemente. Mas não se esqueça que todo o trabalho de preparação dessa cena levava justamente a isso.
— Você não acha que a cena da floresta em The Boy With Green Hair e a cena do estacionamento em M são ruins na medida em que elas não se tornam físicas, em que elas não se transformam em ação?
— Acredito que de fato podemos estabelecer um paralelo entre essas duas cenas... Certamente não foi algo consciente de minha parte... Mas não creio que se possa realmente dizer que não há ação, porque para mim as duas cenas são cenas de confronto, portanto de ação. Além disso, devo dizer que em ambos os casos as cenas foram muito difíceis de fazer, e acrescentaria até que não estou satisfeito com elas. Eu queria filmar a cena de Boy de um jeito totalmente diferente, mas não consegui superar as dificuldades que o produtor me impôs. Portanto, não gosto da cena como ela é; ela me irrita, me irritou desde o dia em que a filmei. Só posso repetir que ela não é de forma alguma o que eu queria. Quanto a M, vocês sabem tão bem quanto eu das minhas irritações com esse filme: não gostei do enredo e sabia que quase não poderia alterá-lo, um acordo feito com a censura americana impondo que o filme respeitasse a estrutura do original. Por isso eu me recusei a filmá-lo em duas ocasiões. Mas finalmente a minha situação financeira, e também o fato de David Wayne ter aceitado o papel principal, me fizeram voltar atrás na minha decisão. Eu estava constantemente envergonhado por essa fidelidade forçada ao original, sobretudo na cena do estacionamento. Se eu pudesse ter tratado o tema com total liberdade, sem nenhuma referência ao M de Lang, eu teria jogado no lixo toda essa história do submundo do crime que não corresponde mais a nada hoje em dia, pelo menos não em Los Angeles.
Uma reflexão sobre o mundo.
— Seus filmes não são ao mesmo tempo uma crítica e uma defesa da civilização ocidental?
— É evidente que meus filmes criticam certos aspectos do mundo em que vivo e que é o único que realmente conheço. E me parece que o que cabe a um filme, uma peça ou um romance é justamente ser, até certo ponto, uma reflexão sobre o mundo no qual vive o autor, queira ele isolar-se deste mundo, lutar contra ele ou contra um de seus aspectos, ou mais simplesmente dar a sua visão pessoal... Pelo menos esse é o único jeito para que uma obra possa, a meu ver, ter um contato com a realidade. De toda forma, é certo que não criticaria o mundo em que vivo, que não teria nenhum motivo para criticá-lo se não o apreciasse, se não o amasse, se não aceitasse alguns de seus valores. Mesmo que sintamos uma espécie de horror ou mal neste universo, o simples fato desta percepção, que só pode ser ativa, leva a uma afirmação da existência deste universo, e afirmar a sua existência quer dizer que você a ama, que você ama viver, que você ama ver, que você ama as pessoas, que você deseja comunicar aos outros toda emoção, todo calor, toda verdade que você sente. A razão de eu responder assim a essa pergunta é que eu não acho que meus filmes sejam os documentos sociais que algumas pessoas imaginam. O fato de eu estar exilado dos EUA, meu país natal, não implica necessariamente que eu faça política ou que eu seja um documentarista social. Não sou particularmente interessado pelas reformas sociais, e acima de tudo eu não acredito nos "filmes de mensagem". Eu penso, eu espero, que meus filmes mostrem um senso de responsabilidade social, nada mais. Claro, estou interessado na sociedade, mas acima de tudo na vida e nas pessoas.
(Entrevista gravada em magnetofone por MICHEL FABRE e PIERRE RISSIENT)