Todas as 6 entradas referentes a filmes de Joseph Losey contidas no Dictionnaire du Cinéma de Jacques Lourcelles: The Boy With Green Hair, The Lawless, The Prowler, Time Without Pity, The Gipsy and the Gentleman e The Servant.
Ou, uma visão possível da evolução da obra de Losey, e uma breve história de uma certa recepção desta.
THE BOY WITH GREEN HAIR (1948)
Primeiro longa-metragem de Joseph Losey, lançado nos Estados Unidos em 1948 e cuja estreia na França só ocorreu vinte anos depois, graças aos esforços de Pierre Rissient e do grupo dos macmahonianos. É um dos mais belos primeiros filmes do cinema americano e isso pode ser explicado de duas formas. Em primeiro lugar, Losey chega ao longa-metragem com 38 anos, já tendo um rico passado artístico e teatral atrás de si. Nesse aspecto, o seu caso é parecido com o de vários cineastas de sua geração cujos primeiros filmes já são obras maduras e profundamente reveladoras (cf. They live by night de Nicholas Ray, Dragonwyck de Joseph L. Mankiewicz ou Child of divorce de Richard Fleischer). Além disso, deve-se notar que, apesar de duas mudanças significativas na produção do filme, Losey trabalha em condições bastante favoráveis. Dore Schary, responsável geral de produção na RKO, tinha dado início ao projeto de The boy with green hair mas teve de deixar a companhia após esta ser comprada por Howard Hughes, que após o fim das rodagens deixou o filme "na geladeira" por vários meses. Adrian Scott, principal produtor do filme e ligado à escrita do roteiro desde o início, será uma das principais vítimas da Lista Negra de McCarthy e deverá ceder seu lugar a Stephen Ames, grande acionista da Technicolor e produtor totalmente inexperiente, com o qual apesar disso Losey se dará muito bem. A segunda explicação para a extraordinária qualidade do filme cabe à própria natureza do trabalho de Losey. O que há de mais precioso nele, a despeito da sua formação de intelectual, é sempre da ordem do impulso instintivo, da espontaneidade bruta e primitiva, de um intimismo imediato e impactante, misturado na maioria das vezes com elementos autobiográficos. Nesse primeiro esforço criativo do autor, que não é contaminado por nenhuma vontade de teorização, as qualidades jorram do mais profundo da obra, ainda que Losey não tenha sido capaz de rodar o filme na maneira, na verdade um pouco utópica, que ele gostaria. Na verdade, ele gostaria de tê-lo dirigido quase como um home movie, em 16mm e muito velozmente. Evidentemente, ele teve de rodá-lo em 35mm, mas ele insiste no fato de que foi a rodagem mais curta de um filme daquela época rodado em Technicolor. Losey criticou a evolução sofrida pelo roteiro, que começou como uma fábula sobre a discriminação racial e acabou como uma apologia pacifista (cf. Le livre de Losey, por Michel Ciment, Stock, 1979). Apesar disso, ambos os aspectos entrelaçam-se admiravelmente no cerne da estrutura alegórica do filme, cuja principal intenção é a de mostrar a irrupção da violência e da destruição no seio de um universo de doçura quase idílica (o universo da infância, da cidadezinha americana, etc.). Essa violência, seja ela de origem racial ou bélica, provoca um tremor monstruoso nesse universo: o estilo de Losey, pela delicadeza do seu toque mas também pela sua sensibilidade inata para com a violência, lhe dá toda a força necessária. A essa evocação de uma infância ferida pela guerra, pela morte de pessoas próximas, pela discriminação e pela estreiteza de espírito dos outros, Losey confere um frescor realista, uma limpidez e uma luminosidade quase miraculosas que contrabalanceiam bem o caráter fundamentalmente artificial de toda fábula e de toda alegoria. A cor, indispensável dado o roteiro, agregará um peso concreto e cósmico, uma poesia suplementar à obra. De fato, todo o filme é banhado por uma luz de aurora que Losey recuperará um pouco em seu filme seguinte, The Lawless, e que em seguida desaparecerá de sua obra para sempre.
THE LAWLESS (1949)
The Lawless figura, ocasionalmente, nas obras e catálogos consagrados ao film noir. Apesar disso, é exatamente o contrário. Segundo título de Losey, rodado em vinte e um dias a partir de um roteiro e um romance de Daniel Mainwaring, o filme encadeia-se harmoniosamente com The boy with green hair, do qual ele é o prolongamento realista, não alegórico – mas não menos caloroso. O cenário da ação ainda é esse universo da cidadezinha americana que poderia ser idílica, até mesmo paradisíaca, se não estivesse envenenada pela discriminação racial, pelos preconceitos e por obscena violência. No meio desses conflitos raciais e sociais, Losey dá vida a três personagens, iluminados por uma doce luz humanista. São eles o que interessa em primeiro lugar. A partir do contacto com o adolescente que ele é levado a ajudar e com a jovem colega que ele encontrou, o jornalista irá resistir ao demônio da inação e da falta de coragem que se instalou nele. É com este personagem que toda a substância do filme encontra-se atraída, através de uma encenação límpida e muito concisa, rumo aos pólos positivos da amizade, do espírito de justiça e do amor. O nascimento do amor entre os personagens interpretados por Gail Russell e Macdonald Carey, que também são unidos por uma relação de ternura e de estima, constitui sem dúvidas a linha de força principal da história. Para evocá-lo na sua justa tonalidade, seriam necessários os recursos da poesia, e é com razão que Marc Bernard, ardente admirador do filme, consagrou-lhe, no primeiro volume publicado sobre Losey, um breve poema em prosa (cf. Cahiers du Cinéma #111, 1960).
THE PROWLER (1951)
Terceiro filme de Joseph Losey, e o primeiro do realizador a comportar uma intriga bastante noir que fecha-se pouco a pouco sobre os personagens, deixando-os sem nenhuma chance. A frustração social do homem, as frustrações sentimentais e sexuais da mulher constituem os ingredientes da tragédia. Essa tragédia começa por uma análise muito refinada, muito aguçada dos personagens, encerrados em seus interiores fechados e noturnos. Ela progride na surdina, e termina por explodir no meio do deserto em cenas de uma força cósmica que Raoul Walsh não renegaria. Trajetória magistral que Losey elabora com grande economia de meios, revelando-se tão dotado como cineasta de ação quanto como psicólogo e como analista social. O que há de mais surpreendente nesse filme continua sendo, sem dúvidas, o inesquecível retrato do personagem principal, revelado em suas diversas componentes: frustração, inveja, complexo de inferioridade social, maquiavelismo, hipocrisia, apetite incontrolado pela felicidade que desemboca numa certa paranoia. A esses elementos, acrescenta-se uma espécie de inegável sinceridade amorosa, inextricavelmente misturada às suas pulsões criminosas. No plano social, as aspirações deste personagem representam um desvio, uma deterioração patológica dos valores da média-burguesia americana. Os três primeiros filmes americanos de Losey (uma espécie de trilogia sobre a infância, a maturidade e a decadência) e dois de seus filmes ingleses (Time without pity e The gipsy and the gentleman) constituem o essencial de sua obra. Tanto do ponto de vista formal quanto do da acuidade da análise social, The Prowler parece o mais perfeito de todos.
TIME WITHOUT PITY (1956)
Terceiro filme de Losey durante seu exílio inglês, e o primeiro que ele pôde rodar com certa liberdade e assinando o seu nome. É também um filme que, descoberto pelos macmahonianos, deu a conhecer mais amplamente o nome de Losey na França, e esse primeiro reconhecimento foi um prelúdio ao seu renome internacional. Sob todos os pontos de vista, trata-se de um filme-pivô que, sem a evolução extremamente negativa da carreira posterior de Losey, teria sido um filme de maturidade, mas que aparece muito cedo como situado no crepúsculo da criatividade de um cineasta cujas últimas faíscas jorrariam do soberbo e subestimado Gipsy. Time without pity também foi para Losey a ocasião da sua primeira colaboração com Richard MacDonald, que desenhou minuciosamente os cenários e os planos a serem filmados, e forneceu ao realizador numerosas ideias fecundas (a ideia do Touro de Goya na cena pré-créditos vem dele). O filme é mais homogêneo pelo seu gênio do que pelos seus ingredientes: todo o seu estilo é na verdade dominado por uma utilização paradoxalmente sóbria e controlada do barroco. O espaço do plano é frequentemente subdividido em superfícies antinômicas, em diferentes níveis, criando um mal-estar e uma tensão. A reflexão no interior do plano (pelo recurso variado a espelhos) de uma parte do mesmo plano ou de um espaço exterior ao plano enriquece ainda mais a densidade da mise en scène e os efeitos de vertigem que ela produz. No nível do ritmo, da fotografia e do jogo de cena, Losey consegue manter uma tensão trágica constante. Ela não tem nada a ver com o costumeiro suspense dos enigmas detetivescos (já que conhecemos, antes mesmo da intriga começar, a identidade do culpado), e muito menos provém do caráter inexorável do escorrimento do tempo no interior das vinte e quatro horas de que o herói dispõe, mas sim desse barroquismo magistralmente empregado por Losey. A tragédia nutre-se aqui da aparição e da explosão da parte secreta dos personagens na superfície das aparências e da imagem. O antagonismo misturado com fascinação recíproca que nasce entre Michael Redgrave (vítima, como seu personagem, do alcoolismo durante os intervalos da rodagem) e Leo McKern é de uma força desconcertante. Somos particularmente surpreendidos pela composição de Leo McKern, ator geralmente bastante mediano que Losey levou além de si mesmo. Os complexos individuais e sociais do personagem vêm à superfície nos seus acessos de raiva, de húbris realmente trágica, que são o cerne do filme. Losey é, por excelência, o pintor da violência que jorra do mais profundo de um ser e o preenche, justificando a priori a necessidade dessas muralhas humanistas que o indivíduo e a sociedade precisam reconstruir continuamente para se proteger. Nas últimas cenas do filme (na pista de corrida e no escritório de Leo McKern), é empregado todo o talento de Losey, pintor da aurora e do crepúsculo, da serenidade e da violência, o menos intelectual dos grandes cineastas americanos, que logo mais iria se perder em empreitadas totalmente estranhas à sua verdadeira natureza.
THE GIPSY AND THE GENTLEMAN (1957)
Terceiro longa-metragem de Losey em seu exílio londrino. Este filme extravagante e barroco, na linha de produções da Gainsborough como The Man in Grey e The Wicked Lady (ambos de Leslie Arliss, 1943 e 1945), é um dos ápices mal-conhecidos e mal-amados de sua obra. Mal-amado já de início pelo próprio Losey, em razão das más condições de filmagem (desentendimento com o produtor Maurice Cowan; abandono do filme durante a mixagem e a montagem final; cortes prejudiciais executados pela produção após este abandono). Mal-amado, em seguida, pelo público inglês, que o rejeitou. Apesar disso, a empreitada não começara tão mal: foi, à época, o maior orçamento de Losey que, segundo ele mesmo, desejava fazer do seu primeiro filme de época uma história de veia walshiana. Gipsy não é sem certos problemas de ritmo. Construído, desde o início e sem dúvidas cedo demais, com curtas sequências secas e incisivas, a narrativa não consegue, em seguida, acelerar seu ritmo quando a intriga assim exige. A partir da segunda metade, perde um pouco o fôlego para então revigorar-se ao final, que constitui enfim um dos mais belos finais de um filme em toda a história do cinema. Mas, no seu conjunto, Gipsy possui qualidades tamanhas ao ponto de podermos considerá-lo como sendo o último verdadeiro filme de Losey, ou em todo caso aquele em que ele exprime, sem dúvidas pela última vez, o seu talento mais autêntico e mais precioso. Em particular, todas as sequências caracterizadas pela irrupção de um elemento violento na ação e pela valorização deste elemento no nível plástico ou beiram o gênio, ou são geniais: a cada irrupção de um tal elemento, a atmosfera do filme aumenta em um grau a tensão, a elegância e a fascinação trágica (ver, por exemplo, a cena, ainda que pouco importante na economia geral da história, da vandalização da propriedade pelo cigano selvagem). O tema da decadência aparece pela primeira vez nitidamente na obra de Losey (encontramos as suas premissas em Time without pity) e inscreve-se concretamente no aspecto visual e dramático do filme. Este não é apenas um tema do discurso, um pretexto para arabescos e figuras retóricas mais ou menos vãs, como frequentemente será o caso nas obras ulteriores de Losey. A decadência, resultante ora da situação de uma classe na sociedade, ora da evolução individual de um personagem pertencente a esta classe (aqui, Paul Deverill), é designada por Losey como sendo o instante a partir do qual os fortes tornam-se fracos e são então incapazes de superar as influências que em outras épocas eles teriam rejeitado ou digerido sem dó. A partir deste ponto, o equilíbrio psicológico e moral de um indivíduo, seu gosto pelo risco e seu apetite de viver, se abismarão junto dele numa vertigem, numa atração mórbida pela destruição, pelo engolimento e pela morte.
THE SERVANT (1967)
Ajudado por sua amante que ele finge ser sua irmã, um criado consegue subjugar completamente o seu patrão, um jovem aristocrata londrino. Triste importância a deste filme, que marca o início do naufrágio de Losey. Esta fastidiosa dissertação sobre a decadência e a servidão faz um uso alternadamente presunçoso, demodê e mecânico de certos elementos visuais, como os espelhos e as escadas. Pela primeira vez na obra de Losey, a retórica substitui a força original, a espontaneidade bruta que manifesta-se em seus primeiros filmes americanos assim como em Time without pity e Gipsy. Pinter, com seu universo que desmancha-se numa ambiguidade terrivelmente conveniente, terá sido o gênio do mal de Losey. A tal ponto que podemos discernir na intriga de The Servant uma espécie de reflexo superficial e premonitório da decadência na qual o cineasta estava prestes a se precipitar sob a influência de seu roteirista. O que será que este representava para Losey? A magia da intelligentsia europeia? O seu meio de ser reconhecido por ela? Uma abertura para uma renovação impossível? Em todo caso, foi um presente envenenado que o cineasta aceitou com prazer e inconsciência. Sobre The Servant, ver o número especial (fevereiro de 1964) da revista Isis, publicada em Oxford. Tradução parcial das entrevistas contidas nesse volume na Présence du Cinéma #20 (1964). Ver também o livro de Pierre Rissient sobre Losey, Éditions Universitaires, 1966, e Le Livre de Losey, de Michel Ciment, Stock, 1979 (edição inglesa: Conversations with Losey, Methuen, Londres e Nova Iorque, 1985).
Traduzido do Francês por Gabriel Carvalho.