Link para a minha tradução integral do livro de Rossellini.
Segue a introdução.
INTRODUÇÃO
No curso da sua longa existência, a espécie à qual pertencemos viu-se forçada, para aprofundar seus conhecimentos e exercer sobre o mundo que habita um domínio cada vez maior, a modificar pouco a pouco a sua maneira de pensar e a sua concepção do universo.
Se acreditarmos em Sigmund Freud, a nossa espécie passou sucessivamente por três sistemas intelectuais e elaborou três grandes concepções do mundo: uma representação anímica ou mitológica; uma imagem religiosa; e enfim, ela encaminhou-se rumo à análise e ao conhecimento científicos.
Essa evolução, longa e inquietante, que nos levou da alegoria ao real, constituiu para a raça humana uma série de esforços consideráveis.
É claro, o caminho não acaba aqui. Mas, historicamente, nós chegamos a uma encruzilhada. Todas as descobertas científicas e técnicas que vêm ocorrendo num ritmo crescente ao longo das últimas décadas nos impõem a obrigação de modificar a nossa formação mental. E, para lograr isso, devemos nos preparar para atravessar essa divisão de águas: devemos estar aptos a passar das prefigurações e conjecturas às realidades tangíveis. Para tornar possível essa passagem de um sistema intelectual a outro, temos apenas uma única escolha: é necessário conceber novas formas de informação, novos modos de "encaminhar rumo ao pensar".
Essa mutação não pode ser feita sem um enorme sacrifício. As concepções tradicionais, religiosas e filosóficas, nos foram de uma ajuda considerável. Elas constituíram um consolo, elas nos reasseguraram, elas nos orientaram em relação aos problemas essenciais da vida, da morte, do infinito, do eterno.
Será necessário renunciá-las. O novo sistema intelectual que devemos abordar, o sistema científico, nos priva de toda certeza absoluta. Ele nos adverte de que o conhecimento não pode ser outra coisa que não um devir perpétuo. Daí a nossa angústia: é extremamente difícil admitir esse requestionamento contínuo; é extremamente difícil pensar em termos científicos.
Apesar disso, essa revisão dos nossos modos de pensar é indispensável. Devemos rever todas as nossas concepções para passarmos ao concreto.
Todas as sociedades que já construímos foram fundadas sobre a dependência de alguns homens. E ainda assim, a sociedade futura, para corresponder à nossa realidade biológica, deve ser fundada sobre a liberdade de todos.
Essa liberdade não será obtida sem que um sacrifício seja pago. Todas as nossas descobertas, essas que nos permitiram edificar a nossa ordem social, econômica e política, estão destinadas a se dissolverem assim como as que as precederam, já que, com o tempo, elas não resistirão ao choque da realidade. E nós devemos confrontar esse risco – essa certeza – de forma lúcida. Renunciar aos nossos fantasmas e substituí-los pelas realidades biológicas.
Para permitir que cumpramos esse novo passo adiante, que aperfeiçoemos o nosso sistema mental, uma modificação dos métodos de se aprender a pensar é indispensável: as páginas que se seguem contém algumas reflexões sobre como visualizar este problema. Elas são o fruto de vários anos de meditação e, talvez, não serão inteiramente inúteis.
Pouco a pouco, uma evidência emerge: os orgulhos, os apetites insaciáveis, os egoísmos e as guerras que sofremos durante séculos não têm mais nenhum sentido hoje. Quando tivermos nos livrado desses erros atávicos, então poderemos viver mais livres e mais felizes. Já em 1919, em resposta à uma pergunta de H. G. Wells, Lênin pronunciara estas frases proféticas:
"Todas as concepções humanas são ligadas ao nosso planeta. Se chegarmos a estabelecer comunicações interplanetárias, será necessário revisar todas as nossas concepções filosóficas, sociais e morais. Nesse caso, o potencial técnico, não mais limitado, imporia o fim da violência como meio e como método de progresso."
– Roberto Rossellini