Trinta e cinco anos atrás, a imagem conquistava a palavra e submergia-se nela: foi uma orgia de palavras, de ruídos, de música. Depois, lentamente o cinema começou a dominar a palavra e pôde então reconquistar o silêncio. Poucos anos depois, a palavra conquistou a imagem – o rádio tornou-se televisão – mas não foi uma orgia de imagens, pelo contrário, a imagem foi vista com desconfiança, como uma intrusa que tentava sobrepôr-se à magia da palavra, como uma ilustração repetitiva, como uma concessão ao gosto inferior das massas (e há muito o que se discutir quanto a isso, justamente porque aquilo que mais impacta as massas torna-se um meio privilegiado para a penetração de ideias e, em última análise, instrumento de conquista da liberdade do indivíduo. Não é que as histórias em quadrinhos sejam uma bobagem, bobagem é o uso que se faz das histórias em quadrinhos). Esta breve observação limita-se ao campo bastante restrito da prosa televisiva, isto é, ao campo dos textos teatrais, dos programas originais televisivos e das adaptações televisivas de obras literárias. Para se verificar a asserção de que a imagem televisiva é indiferente, ou quase, ao espetáculo, podemos silenciar o áudio e observar o espetáculo desprovido da palavra, e logo percebemos como a imagem é anônima, insignificante, inemotiva. Apenas os rostos falam a nós, mas talvez trate-se de uma emoção sentimental e não estética, uma relação de indivíduo para com indivíduo, um interesse pela existência e não pela expressão. Em suma, algo exterior à linguagem. As origens teatrais do espetáculo de prosa televisiva são uma justificativa para a indiferença das imagens? Não parece ser o caso, já que o teatro, especialmente nos últimos anos, está furiosamente direcionado à conquista da imagem. Hoje em dia, os projetores são refinados instrumentos para a criação de close-ups no palco. O próprio ator usa o movimento, e sobretudo o silêncio, para construir o close-up para si mesmo. O seu desligamento da ação cênica tenta, e frequentemente consegue (o tanque do soldado Schweik1), criar espaços e profundidades infinitas. O ritmo da declamação cria verdadeiros travellings mentais no espectador. Pois bem, a televisão oferece instrumentos aptos a completar as conquistas que o teatro vem fazendo, mas nós nos mostramos incapazes de usar estes instrumentos. Por quê? Se os específicos fílmicos do plano e da montagem (valores espaciais e valores temporais) são os mesmos que a TV utiliza, por quê, ao tomá-los emprestados do cinema, a TV faz com que eles decaiam numa insignificância que não é mais sequer a ilustração da palavra? Que não serve nem como pedestal para a palavra?
Se reduzirmos a TV a um meio de comunicação, também não justificamos essa anulação das imagens, e temos a prova disso escutando o texto sem o vídeo: quanta magia descobrimos em certos ruídos – um talher que bate num prato, uma porta que se fecha, o som de passos! Uma crise da televisão pode nascer hoje não tanto da hipertrofia do meio, mas da sua comprovada incapacidade de exprimir-se plenamente. Gostaríamos de falar de linguagem, mas ainda hoje não estamos em condições para tal. O nosso conhecimento da TV ainda é experimental e é obstruído pelo seu desenvolvimento demasiado rápido. Torna-se urgente ganhar tempo, e cada esforço nosso deve ser direcionado à descoberta dos modelos, dos signos da nossa imagem, para fazer com que essa imagem torne-se indispensável, que o sentido, que o significado de todo espetáculo televisivo não seja compreensível se privado da sua imagem significante, exclusiva e irrepetível.
– Traduzido do Italiano por Gabriel Carvalho
Provável referência à peça Schweyk im Zweiten Weltkrieg de Brecht. [N. do T.]