A ESTÉTICA BRECHTIANA E A TV
por Vittorio Cottafavi, 1964
A par da transformação da natureza, a transformação da sociedade é um ato de libertação: e é a alegria que nasce de tal libertação o que o teatro de uma era científica deveria comunicar.
– Bertolt Brecht
As ideias de Brecht sobre o teatro, exemplificadas na sua direção e teorizadas em vários textos, sobretudo no Pequeno Organon para o Teatro (ainda que o autor não as tenha jamais teorizado sistematicamente), representam hoje uma conquista precisa que, sob o nome de "nova épica", influenciou não só o modo de encenar certos textos mas até mesmo a inspiração de vários autores. O estranhamento, esse arrebentar do cordão umbilical entre o personagem e o ator e entre o personagem e o público, libertou o personagem da lama sentimental na qual ele se debatia no teatro burguês, envolvido em um mesmo abraço com o seu intérprete e o público, e o separou, deixando-o livre e exemplar: um "diferente de nós" com o qual podemos discutir, capaz de nos convencer ou que podemos refutar; um que não tenta nos comprometer, que nos constringe a continuarmos sentados na nossa poltrona o escutando e não nos permite ir até o palco, que não consente com a nossa evasão; um que deixa o ator que o representa sempre três passos atrás de seus ombros, quase como se o ator fosse uma projeção sua defletida para trás... mas sobretudo o Verfremdungseffekt – o estranhamento – evita que a representação identifique-se com o acontecimento. Se o modelo da nova épica deve ser a "cena de rua" exemplificada por Brecht, isto é, a rua onde há pouco aconteceu um acidente e na qual as discussões, as acusações, as defesas de todos os que assistiram ao acidente solicitam o espectador como a um viandante ignorante, que deve compreender o evento através dos testemunhos dos atores – isto é, daqueles que viram o desastre –, então surge a questão: que porção do teatro pode ser transformada em ou reduzida à fórmula da "cena de rua"? Não nos esqueçamos que Brecht, ao propor a "cena de rua" como exemplo de estranhamento, declarou que: "Fantasia, humor, compaixão, são coisas que, entre muitas outras, o teatro épico não pode evitar. O teatro épico deve ser divertido, deve ser instrutivo".
Do teatro existente, bem pouco do que já não nasceu sob a luz fria porém límpida da nova épica pode ser executado segundo os seus cânones. O próprio Brecht teve que transformar radicalmente os textos que não eram seus, a tal ponto que a Antígona é hoje apresentada com o nome de Brecht junto ao de Hölderlin.
Escavando mais fundo a nossa imensa mina de máscaras, talvez conseguiremos descobrir alguns textos "épicos", e estaríamos corretos, já que nada é mais estranhado do que a máscara que é sempre "outra que si mesma" e que, em todos os casos, recusa-se a entregar ao espectador o que ela carrega em seu semblante, negando-lhe toda evasão possível. Os mais modernos meios de comunicação em massa, o rádio e a televisão, dada a mediação evidente e quase mágica da técnica, a presença física do instrumento e a simultaneidade da comunicação, que singulariza o múltiplo e multiplica a singularidade no ritmo incontrolável da eletrônica de tal forma que o espectador sente-se só e coletivo ao mesmo tempo (a situação ideal para um espectador "estrangeiro"), deveriam ser os instrumentos ideais para executar o teatro épico. Ignoramos se e quando as televisões de outros países já fizeram programas segundo os cânones épicos, e essa falta de informação e documentação é um obstáculo gravíssimo à pesquisa não só deste setor específico que estamos examinando mas de qualquer estudo teórico e histórico dos meios televisivos.
Devemos portanto limitar o nosso exame apenas à televisão italiana e, por enquanto, ao único exemplo do qual eu possuo experiência direta: a versão original radiofônica de Dürrenmatt de Operazione Vega que foi adaptada para a televisão e transmitida em 2 de Julho de 1962.
O material abordado por Dürrenmatt era brechtianamente estranhável por si só: uma fábula de ficção-científica que exemplificava uma sociedade anárquica no planeta Vênus. A fábula termina com a destruição de Vênus pelos terráqueos.
Convinha preordenar os instrumentos do estranhamento em função do meio televisivo: a história deveria ser narrada indiretamente, isto é, narrada por um narrador, um que interrompesse cada sequência e a cada vez recolocasse a si mesmo como intérprete do documento narrado (a interrupção ocorre catorze vezes em pouco mais de uma hora de programa); a surpresa, outro elemento fundamental da épica, era confiada em partes iguais à cenografia, à iluminação e ao uso da câmera e de efeitos, mas a cenografia foi o elemento mais evidente da "surpresa" (da espaçonave feita de uma única parede de mesas de plástico pretas, reluzentes, que depois se abria como uma imensa janela para o planeta Vênus, envolto pelos alucinantes redemoinhos da sua atmosfera, até o longo tubo com os cinco atores dentro, declamando suas falas enquanto o tubo rodava de um lado para o outro como se agitado pelo mar venusiano, as vozes ecoando pelo tubo acompanhadas pelo reverberar das placas de metal, e a pureza geométrica da forma tubular deformando os significados já contorcidos das falsas palavras dos homens); a declamação era impostada num tom didático, alternado segundo o cansaço dos personagens, nos raros momentos em que estes curvavam-se sobre si mesmos (uma espécie de auto-comiseração do ator para com o personagem, sempre brevíssima porém), de modo a reconstruir o personagem como novo a cada retomada de uma interrupção. Os tons fundamentais eram subdivididos assim: o comandante militar enunciava as próprias piadas como conceitos que escapavam completamente aos seus interesses pessoais; o sub-secretário de assuntos venusianos, que jamais aparece pessoalmente mas sempre projetado na tela de um circuito fechado de televisão, exprimia-se como um apresentador de telejornal; os três ministros, na longa discussão de caráter político, caminhavam em fila pela espaçonave, virando juntos nas curvas, com movimentos iguais, como se fossem mecanizados; os venusianos expunham aos ministros terráqueos as suas razões com a tenaz paciência de sábios tentando fazer com que criaturas mentalmente retardadas os entendam; e assim por diante até a serena certeza do venusiano Borst, que descreve a iminente catástrofe da qual será instrumento como um fato contingente e já aceito, que não poderá modificar ou deter o processo de evolução do homem. Um acompanhamento musical não foi utilizado, para não se correr o risco de introduzir um elemento de ordem sentimental, mas apenas efeitos sonoros eletrônicos, com a mesma função de ruídos, e também os créditos, que são impressos sobre a reprodução da cabeça de um homem neandertal, eram acompanhados pela música eletrônica. Basicamente todas as sugestões teorizadas por Brecht foram aplicadas (incluindo a ironia e a argúcia) a fim de que "o espectador pudesse intervir com o seu juízo entre as fases particulares da ação". Bem, este programa teve – segundo dados da Secretaria de Opiniões – uma recepção tépida por parte da quase totalidade dos espectadores; porém, das poucas entrevistas feitas com alguns telespectadores, é demasiado difícil formular um juízo de mérito. Podemos apenas examinar teoricamente os limites da tentativa e as causas do insucesso.
As três situações-limite poderiam ser: 1) que a realização, apesar de partir de ótimas intenções, tenha fracassado mesmo no plano da qualidade; 2) que o material tratado por Dürrenmatt escapasse aos dados objetivos da nossa sociedade atual e por isso mesmo fosse privado de interesse para o espectador; 3) que os meios televisivos não fossem o instrumento adequado para obter-se um estranhamento consensual do espectador.
Assumamos que, após um exame atento e embasado, as situações um e dois resultem erradas: em tal caso, poderíamos nos dedicar à situação três, que remete-nos automaticamente ao nosso assunto brechtiano.
O meio televisivo, apesar de alcançar simultaneamente milhões de espectadores, parece dirigir-se individualmente a cada um deles, chegando a ele em sua própria casa, com uma intimidade de comunicação que estabelece uma relação inédita de confidência e amizade. Disto, parece claro que a relação espectador-espetáculo televisivo, por permanecer nos limites das variantes psicológico-emotivas próprias do meio (não podemos falar de linguagem, ainda), condiciona e determina as características do espetáculo.
Brecht diz: "A menor unidade social não é o homem, mas dois homens. Também na vida nos construímos reciprocamente". Na TV um dos dois homens está no vídeo, o outro na poltrona, mas a unidade social existe porque um fala ao outro, que o escuta. E o escuta com uma relação pessoal tão intensa que faz daquele rosto um amigo, e se o reconhece na rua é levado a cumprimentá-lo com um reflexo irrestrito que nos revela a permanência hipnótica dos meios televisivos.
Quando Brecht teorizava a nova épica, tinha de deitar abaixo a hipnose ("doentes sonhadores", é o que dizia dos espectadores) que levava o público a uma evasão coletiva da sua realidade social, a uma fuga da moralidade e do conhecimento. Ele usa a palavra "mesmização", referindo-se ao espectador na sua relação pessoal com o ator-personagem, mas (assumindo que a tradução italiana seja exata) é claro que "mesmização" vai junto com o sentido de evasão, fuga, hipnose1.
Chesterton escreveu que, para se retornar a casa, uma vez do lado de fora, pode-se ou dar meia-volta e voltar para trás, ou marchar em linha reta e completar uma volta ao mundo.
Experimentemos pensar a nova épica como uma estrada que possa ser percorrida nestes dois sentidos: um é o do estranhamento, o outro dialeticamente há de ser o da identificação. Já observamos que "mesmização" é evasão/fuga/hipnose; pois bem, identificação é consentimento/participação/tomada de posição. Com a identificação não limita-se o compromisso àquele campo restrito de relações humanas no qual desenrola-se a ação do drama, mas, pelo contrário, este é prolongado através de uma permanência no tempo e no espaço pessoais do espectador, agora reais e não mais virtuais, já que o espectador dilacerou os limites do espetáculo, identificando-se e remetendo a própria experiência direta aos termos dialéticos do seu viver.
Se a evasão é um fechar-se, uma recusa, a identificação é um permanecer aberto, um consentimento.
Não é talvez justamente através da identificação que podemos recuperar um remorso? Ou reacender uma alegria? Ou afirmar um compromisso?
Diz ainda Brecht: "O propósito da representação é facilitar o juízo sobre um caso específico".
E não poderia talvez essa identificação-participação ser a substância de um consentimento (ou de uma recusa), última consequência de um juízo? Não é talvez este o caminho para se alcançar a clareza?
São questionamentos que continuarão à espera de uma resposta, já que o que se propõe aqui é uma linha de pesquisa e de experimentação que, utilizando o estranhamento como experiência indireta, possa nos levar a encontrar a fórmula congenial ao novo instrumento de comunicação em massa: a TV. Se encaramos esta massa de espectadores como permanecendo na intimidade de cada um deles, no sigilo de sua comunicação, na sua menor unidade social, bem que poderíamos conceber que, no consentimento e na identificação de cada um deles possa-se criar uma maré coletiva constituída de todas as tomadas de posição, afirmações de consciência e conquistas de pensamento individuais, que podem e devem determinar o homem na sua evolução e na sua construção recíproca entre um e todos.
Se o instrumento televisivo nasceu sob o signo do homem, se a sua força está em ser na medida do homem, inserida no seu viver cotidiano, devemos crer que é possível, que é necessário, encontrar aquilo que doravante chamaremos de a épica da câmera.
[N. do T.] Traduzimos o termo "immedesimazione" (que deriva de "medesimo", "mesmo") pelo neologismo "mesmização", já que, apesar dele normalmente corresponder à "identificação", Cottafavi irá opô-lo ao termo "identificazione". Também em Italiano estes termos costumam ter significados parecidos, mas de "immedesimazione" Cottafavi extrai o sentido de algo como "ensimesmamento", um fechamento em si mesmo, em oposição à "identificação" que, para ele, dá-se justamente numa relação do espectador com outrem.