Traduzido do Italiano a partir do catálogo da Cineteca di Bologna, “Ai poeti non si spara: Vittorio Cottafavi tra cinema e televisione”
A cenografia deverá ser baseada em linhas verticais. A ágora no centro, pequena, ao redor da qual erguem-se escadas como que escavadas na rocha de dois morros. Sobre um deles eleva-se a colunata do templo, apenas colunas, que afastam-se em perspectiva, e no outro as do palácio. A escadaria que leva ao templo abre-se como os raios de um círculo, numa ordem geométrica; as do palácio cruzam-se desordenadamente, como se construídas ao acaso. Toda a ação cênica se desdobrará em linhas verticais, subindo e descendo. As câmeras, embaixo e em cima, deverão acentuar as diagonais do movimento.
Todo o cenário será colorido, incluindo o chão, de vermelho, laranja e ocre: também as colunas serão coloridas de vermelho e laranja, como costumavam fazer os gregos. Os atores deverão sentir a cor, todo o vermelho. Não importa que o vermelho não irá aparecer no vídeo, serão os atores a transmiti-lo ao espectador, pois deverão recitar "em vermelho".
[os gregos] Usavam coturnos, recitavam com máscaras e com três atores faziam todos os papéis. Ignoramos como enunciavam, que vozes saíam de suas máscaras, os significados que tinham o espírito áspero e o espírito brando1, qual era a monodia do coro para as festas dionisíacas… Crer poder fazer teatro grego à maneira dos gregos é no mínimo estúpido.
Copeau disse: "Le classique c'est nous" ["o clássico somos nós"]. Valor eterno do clássico, que pode aderir e ser válido pelo tempo e pelo espaço. Antígona pode ser recitada por negros em uma floresta e realmente "le classique c'est nous". É necessário, portanto, anular o coro e torná-lo, como ele já é em espírito, personagem: quatro personagens, dois guerreiros e dois nobre tebanos. O texto dividido como um diálogo. De Ésquilo a Sófocles o coro mudou muito, o que nos permite humanizá-lo, identificando-o com personagens individuais.
O espectador não estará sentado numa arquibancada semicircular, com um amontoado de gente possuída pelo espírito de Dionísio em volta, mas estará sozinho (ou quase) perante uma caixa de imagens.
A telecâmera, a mediadora, deverá dançar no ritmo do deus, enquanto o texto será sempre mais arcano, secreto, íntimo. O texto de Sófocles nunca será cantado, mas encenado com verdade, sinceridade e validade de sentimento. Não devemos "transmitir", mas "comunicar", e portanto: uma enorme carga silenciosa, uma imensa tensão imóvel.
Se assim, será possível desencadear o movimento e o grito final de Creonte. E sentir o vermelho infinito que envolve Antígona.
Antígona é como um raio de sol, um raio que sai do chão onde ela pousa os pés. Ela vê além dos outros e vê dentro dos outros, por isso o seu olhar não piscará e olhará por cima de seus interlocutores. Nos raros momentos em que seu olhar os fitar, este será ofuscante, e então eles olharão para baixo. Heteronomia e autonomia da lei moral de Antígona – alternância contínua de dois momentos (desenvolvimento).
Conceito de culpa que pesa sobre Antígona – culpa dos pais – incesto. A vida de Antígona antes da morte dos irmãos explica a imensa sede por um valor absoluto, exterior às relações humanas e contingentes, que agora a impele rumo ao sacrifício. A mulher é plenamente equiparada ao homem como representante da humanidade.
O destino não é um fato externo ao homem, imposto ao homem; mas cresce nele mesmo, dele mesmo, e através dele determina os eventos com seus atos voluntários; assim o homem participa da divindade.
Antígona é um espelho: o espelho do seu próprio mito. Para entender o drama é preciso vê-lo espelhado por Antígona, e então cada personagem obtém a sua medida e descobre-se que o mensageiro é talvez a voz mais alta depois da de Antígona.
Durante o julgamento, Antígona ficará no alto, quase num pedestal em frente ao templo. Creonte sai do palácio e desce as escadas acusando-a, depois prossegue na ágora, embaixo, sobrepujado perante ela, alta, vertical: subirá as escadas do templo (talvez duas vezes) para colocar-se ante Antígona, mas não resistirá e descerá, quase fugindo, voltando à ágora. Quando está perto dela quase não sabe mais falar, e retoma o vigor quando afasta-se.
Antígona não quer reconhecer culpas, mas apenas infortúnios, dádivas dos deuses. Antígona não caminha em direção à morte, ela desce nela, imerge nela como em água. A sua última imagem deve descer e desaparecer por baixo do quadro. Antígona morre por força das suas convicções, Ismene morre por amor, por fé na irmã. Duas formas de santidade. A religiosidade de Sófocles, escreve Enzo Paci, tende a superar a divindade cívica rumo a uma religião universalista (Mistérios de Elêusis – Deméter). A harmonia entre ação humana e divina realiza-se quando a ação humana exprime uma ordem mais profunda e mais elevada; uma ordem não “escrita", mas "revelada".
A dramaturgia de Sófocles é a dos movimentos da alma: ela é interior, profunda, quase secreta.
Creonte vive segundo um esquema mental construído por ele mesmo, e obriga o seu mundo a se encaixar nesse esquema, força-o a aceitá-lo. Mas quanto consegue ele enganar a si mesmo? A grande sombra de Édipo está sempre ali, no fundo do palácio.
Creonte tem uma consciência imprecisa da desgraça em direção à qual corre, e por isso prevalecem a sua fúria, a sua ira e o seu espírito acusativo. Perante o filho morto, o Creonte que construíra-se com tanta força de vontade, com tanta obstinação, estilhaça-se. Ele não é mais uma mente, um pensamento, uma lei, mas um coágulo de sofrimento, uma coisa que se atira em todas as direções, que se choca desesperadamente contra os muros inultrapassáveis do desespero. No epílogo, é uma queda contínua, uma tentativa de reerguer-se e uma nova queda em direção ao corpo do filho morto (corpo que não deve jamais ser visto e que será coberto por um pano, vermelho como o cenário circundante). Na última imagem, distante, de cima, Creonte cai pela última vez e permanecem os dois corpos jazidos na ágora completamente vazia. Portanto, será necessário abolir a última fala do coro.
O mal que fazemos sem saber: somos responsáveis por ele, como Édipo às portas de Tebas quando descobre a si mesmo e o seu incesto culposo. Sobre Creonte derrubado, talvez inclinaria-se a condolente sombra do grande Édipo.
Aristóteles diz que os personagens da tragédia antiga ainda não falam retoricamente, mas politicamente. Isso vale em parte para Creonte, em parte para Antígona.
Etéocles e Polinices. Revezando o trono de ano em ano. Creonte condena em Polinices apenas o fato dele ter lutado contra Tebas, sem considerar a razão que o levou a lutar. A sua sentença é gravíssima, é eterna, ao insepulto não é permitida a entrada no mundo ínfero. Recordemos Homero, os mortos em batalha, o resgate dos mortos para enterrá-los.
Tirésias. Robusto, de estatura mediana, não tão velho, sem barba, sem cabelos, com um maxilar forte e dois imensos olhos que "vêem". Não grita, mas fala com extrema tensão. Quando diz o que vê e quando faz ameaças seus olhos estão carregados de lágrimas. Realmente, como pode não chorar sabendo e vendo a calamidade extrema que assoma-se sobre os Labdácidas? Não é um choro de fraqueza, sequer um choro, apenas lágrimas nos olhos, enquanto Tirésias ameaça e acusa. Ele deve reter toda a sua força viril e a presença divina dentro dele, mesmo com as lágrimas.
Em Tirésias há a dor e o desespero que dão-lhe a sua estatura. Quando se move e procura por Creonte, ergue a mão e move-a lentamente, aberta no ar, avançando em busca do rei. É a mão que persegue, a mão aberta que não ameaça mas que o segue como se visse, e quando o alcança, agarra. Quando a mão lhe apanha, Creonte pára, mas assim que ele se liberta e se afasta a mão volta a persegui-lo.
Durante os presságios, Tirésias está sentado e o rei de pé, quase atrás dele. Alternar movimentos cruzados de avanço da câmera até um primeiríssimo plano de Tirésias, e então o movimento continua, a câmera deixa o adivinho para trás e cai no rei. No corte, o mesmo movimento de câmera, mas cruzado, e assim por diante, cada profecia sendo recebida pelo mesmo movimento.
O Guarda é um personagem cômico. Um personagem desprovido de peso, do drama satírico. Pela primeira vez na tragédia grega um personagem cômico aparece, e não perturba em nada o clima trágico, pelo contrário, a descrição do enterro feita com piadas medrosas e descrita por um vulgar ignorante obtém um perfume poético, uma grandiosidade e uma completude que a descrição nua do fato não teria. O guarda será pequeno e magro. Apresenta-se sem elmo, e trará o escudo nas costas, um escudo adornado, redondo e grande, sob o qual aparecerão as perninhas trêmulas, enquanto a cabeça permanecerá quase coberta pelo escudo. Deve dar a ideia de um inseto, daqueles insetos com um corpo redondo contrastado pelas perninhas esguias, deve-se pensar que, se ele caísse de costas, não conseguiria mais revirar-se e continuaria deitado contra o escudo agitando as perninhas em vão. Quando deve dizer o aparte, aproximar-se-á da câmera até um primeiríssimo plano e, encarando a objetiva, isto é, o espectador, dirá as suas falas quase dando piscadelas para o próprio espectador, entre o astuto e o sábio. Seja aproximando-se ou afastando-se para retornar à cena, deverá fazer um movimento muito veloz, como um salto.
No interrogatório com o rei, há nele um misto de respeito e de insolência, mas sempre com muito temor, quase pronto para a fuga caso o rei deseje atacá-lo. É um respeitoso sem-vergonha. Depois da prisão de Antígona, o guarda usa uma linguagem onomatopeica na descrição do ocorrido. Quando descreve o inesperado furação, agita os braços, assopra e ulula como o vento, terminando a descrição com o ressoar do trovão de vale em vale. Quando descreve a aparição de Antígona, que "gemia lamentosa como um pássaro inconsolável que encontra o ninho vazio", deve dizer a fala num falsete, aguda, similar ao pássaro que grita lamentoso. E ao narrar o enterro, agita-se e dá voltas e mais voltas ao redor do rei e, no final, com um salto, voa até a câmera mais distante, faz o último aparte e desaparece com uma careta. O corte nos dá Antígona erguida no pedestal, e logo em seguida em primeiro plano. Não deve haver interrupção entre a anedota do cômico e a protagonista da tragédia.
Hêmon: perante ele, Creonte, seu pai, veste a máscara sob a qual dissimula suas profanações interiores. Não torna-se pai no dia de um nascimento, mas lentamente, exaustivamente, com dor e sofrimento, com avanços inesperados e longos períodos de surdez da alma, através do tempo, penetrando e deixando-se ser penetrado por uma outra alma. E porém, Hêmon chama Creonte de pai. Por este nome de "pai", as suas acusações e o violento contraste do diálogo devem permanecer contidos, nunca gritados, ainda que intensos, carregados. A última fala é quase um murmúrio de desespero.
A morte de Hêmon. Eis que a paternidade, que Creonte não conquistara nos muitos anos em que o filho criança fez-se homem, precipita-se dentro dele toda de uma vez, e de repente ele sabe que perdeu o filho duas vezes, e por culpa sua, e agora deixa-se ser preenchido pela dor, ou melhor, ser arrastado por ela como numa cachoeira. Apenas na dor, ou apenas mesmo na anulação total da sua felicidade terrena, o personagem trágico de Sófocles eleva-se à verdadeira grandeza humana. Na dor, Creonte finalmente conquista a si mesmo.
O mensageiro descreve a morte de Hêmon. As suas palavras não são as de uma testemunha que narra, mas de um participante da própria tragédia. Creio que o ator que interpreta Hêmon deve reaparecer nas vestes do mensageiro, e deve ser este um segundo Hêmon que contempla a própria morte; descrevendo a pálida Antígona no túmulo, o desespero de Hêmon, o gesto louco que o leva a tentar matar o pai e depois a voltar a lâmina contra si mesmo, morrendo agarrado à virgem Antígona, que ele banha com o próprio sangue.
Se é o próprio Hêmon quem narra, então depois da "quebra" ocorre a "repetição": o que aconteceu acontece de novo, mas os demônios agora foram expiados, apaziguados.
Como Copeau disse, se "le classique c'est nous", então podemos certamente rever Hêmon nas vestes do mensageiro.
Em Antígona não existe mais a intervenção divina – o Deus ex machina. A única máquina remanescente é o enciclema2 para se ver Eurídice morta, no interior do palácio. Não acho que o mortos devam ser vistos. A morte está presente em todo o epílogo porque os mortos estão dentro de Creonte. Devemos ver Eurídice morta nos olhos de Creonte.
Querendo-se representar os personagens com sinais gráficos, a geometria nos sugere que:
Antígona é uma linha reta.
Ismene é um triângulo.
Creonte é um hexágono que estilhaça no epílogo, dispersando-se em triângulos. Lembremo-nos do seu grito final: "Tudo o que é meu vacila, oblíquo. Toda a minha vida cai sob o destino esmagador que me acertou na testa".
Hêmon é dois triângulos invertidos sobrepostos.
Tirésias é um quadrado aberto em um dos lados, desprovido de um dos lados.
O mensageiro é uma circunferência.
O coro são quatro raios de uma circunferência.
A música deve ser eletrônica. Para Sófocles, é necessário um som abstrato e puro, quero dizer, sem vibrações secundárias. Uma música atemporal, clássica, mas com sons de uma modernidade extrema. A música, no início dos coros, deve lembrar o espectador da presença do divino, enquanto a desesperada e profunda humanidade da história deve fazer com que ele a esqueça. É necessário sempre relembrar o espectador da sacralidade do teatro grego.
"Espírito brando" e "espírito áspero" referem-se a diferentes sinais diacríticos do grego antigo. [N. do T.]
O enciclema é uma máquina que no teatro grego permitia