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O cigarro do policial
por Luc Moullet
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Una donna libera é um filme de muitas facetas. Trata-se, em primeiro lugar, de um estudo da emancipação e liberação da mulher. Liana trabalha, e recusa os laços sentimentais estáveis e convencionais; coisa que hoje em dia pode parecer banal, mas que à época parecia audaz e insólita. Encontramos uma situação similar em La proie pour l'ombre (1961): mas o filme de Alexandre Astruc nos parece verboso, abstrato, teórico, idealista. Há também pontos em comum com o Antonioni de La signora senza camelie (1953) ou de Le amiche (1955), se não o de L'Avventura; mas Antonioni desdramatiza, enquanto Cottafavi sobredramatiza.
Uma mulher que tem um emprego, além do trabalho de dona de casa: uma situação que, na Itália pós-1945, passa a tornar-se frequente. Liana é arquiteta, e está convencida de que o sucesso profissional é mais importante do que a vida sentimental. Mas as coisas não são assim tão fáceis. Nesse prestigioso setor profissional, os inícios são feitos de trabalhos pouco satisfatórios, cópias de projetos alheios, a mera decoração de apartamentos, relações profissionais que frequentemente tornam-se mero pretexto para a atividade sexual: um início de carreira um tanto decepcionante. A vida sentimental de Liana, no fim das contas, revela-se como uma série de insucessos. Influenciada por um sedutor, Liana, depois de dois anos de noivado, rompe a relação com o homem da sua vida, também ele arquiteto; a mulher dá-se conta de que a sua existência corre o risco de tornar-se monótona, sem surpresas, percorrendo um caminho já traçado até a velhice, como foi a vida de seus pais. Liana crê ter encontrado o grande amor junto a um Don Juan, Gerardo, renomado condutor de orquestra, mas logo dá-se conta de que estava enganada: Gerardo gosta de passar de uma mulher a outra, para talvez voltar a ela depois de um tempo, por um breve momento, quando sentir vontade. Em Paris, a mulher recusa as ofertas que recebe de um arquiteto influente e mais velho que ela. Depois, aceita casar-se com um empresário naval, Massimo, um homem doce, carinhoso, discreto e rico, vinte anos mais velho que ela; mas logo cansa-se desse marido que de certo modo age como um pai, depois de um ano de vida comum, e deixa-se tentar mais uma vez pelo fascínio de Gerardo. Liana, porém, recusa essa conexão, que sabe que é efêmera, para dedicar-se a cuidar da família, formada pelo pai, agora viúvo, e pela sua jovem irmã Leonora; só para descobrir, mais tarde, que Leonora tornou-se amante de Gerardo. Leonora está convencida, como Liana outrora, de que trata-se de um grande amor, quando é evidente que Gerardo também abandonará ela dali a pouco. Para poupar Leonora do choque da desilusão amorosa, Liana mata Gerardo e entrega-se à polícia. Com isso, a mulher contradiz a si mesma, pois recusou duas vezes a possibilidade de uma união estável por temor à monotonia: renunciou ao matrimônio depois do início de uma nova relação que então logo abandonou, como se quisesse pagar Gerardo na mesma moeda.
Em síntese, Liana é uma personagem extremamente contraditória, que frequentemente acaba fazendo o contrário do que ela mesma havia decidido. Não sabe o que quer. Liana envolve-se ao redor da árvore da vida sem jamais encarnar-se nela: não terá filhos. É uma personagem muito moderna, na qual muitos podem reconhecer-se; os seus erros, assim como a sua errância, são absolutamente comoventes. Há, por fim, alguma semelhança com a heroína de The Barefoot Contessa, rodado em Roma no mesmo ano por Mankiewicz.
Uma trama do tipo poderia ter levado a um filme descritivo, objetivo, clínico, construído com o olhar de um entomólogo, que talvez soubesse ter conquistado para si os favores da crítica italiana. Mas essa historieta insere-se no quadro de um gênero amplamente abusado e desprezado (como quase todos os gêneros), o melodrama, cujas convenções e lugares-comuns sufocam – segundo os críticos – a possibilidade de ser levado a sério, quando na verdade decuplicam o poder do filme, graças à emoção. Una donna libera é, como outros filmes de Cottafavi (Una donna ha ucciso, Traviata 53, In amore si pecca in due e, em certa medida, Maria Zef), a história de uma mulher, uma mulher que caminha sozinha, muitas vezes sob a chuva, pelas ruas, a esmo, presa dos seus tormentos interiores, como acontece no fim deste filme. Ou isso a matará, ou ela mesma terminará como assassina. É um percurso feminino sublinhado pela música insólita e insistente de Renzo Rossellini, de Giovanni Fusco ou, como neste caso, de Tchaikovsky. E o melodrama de tintas saturadas, o melodrama flamboyant, é antes de tudo o complexo percurso de uma mulher, como aquele, frequentemente errático, de Jennifer Jones em Ruby Gentry de King Vidor, de Viviane Romance em Venus aveugle de Abel Gance, de Kinuyo Tanaka, a O-Haru de Mizoguchi, ou de Yvonne Sanson no Tormento de Matarazzo.
O mélo é, por definição, um gênero marcado pela música, que dá uma potência extraordinária a Una donna libera, em que um dos protagonistas é um condutor de orquestra obcecado pela Pathétique, que ouvimos várias vezes ao longo do filme. A sua força intrínseca é acrescida pela agressividade da repetição e pelo suspense implícito: a música é ora extradiegética, ora diegética, e Cottafavi compraz-se em nos enganar, momentaneamente, quanto à sua verdadeira origem.1
O jogo das emoções é reforçado pela presença de outros elementos típicos do melodrama:
a) A coincidência improvável: é no mínimo surpreendente que Gerardo, depois de ter seduzido Liana, tente a sorte justo com a sua irmã mais jovem, que ele sequer conhecia;
b) A inverossimilhança: por exemplo, a cena do revólver. Perante a fúria de Liana, Gerardo, debochado e seguro de si, propõe à heroína, já que ela tanto o odeia, que o mate, e oferece-lhe um revólver carregado (que a mulher utilizará contra ele) enquanto senta-se ao piano, "para tornar este momento ainda mais sugestivo", já que "estamos em pleno melodrama", como ele próprio diz. Com isso, Cottafavi acrescenta à cena uma notável pitada de humor, e introduz, com uma modernidade extrema, a ideia do filme dentro do filme. Estamos no metacinema: o realizador trabalha com a emoção exatamente ao mesmo tempo em que caçoa do seu trabalho. Repare-se que essa parte da cena remete literalmente a Catene (1949), de Matarazzo, um dos maiores sucessos comerciais do melodrama e uma referência absolutamente natural para o público da época. Mas com uma diferença: em Matarazzo, Yvonne Sanson não mata o cruel Aldo Nicodemi que oferece-lhe a arma, e portanto Cottafavi acrescenta algo a mais. Repare-se ademais que também Freda, em Beatrice Cenci (1956), utilizará novamente a Pathétique: o melodrama italiano em seu conjunto na verdade constitui um único todo, do qual é arriscado destacar um único filme;
c) A importância dos laços familiares. Aqui não há crianças, como no melodrama flamboyant, mas há a irmãzinha de vinte e poucos anos. Liana esforça-se para que ela continue sendo uma criança. Depois, há os pais; ele, inicialmente um homem de princípios rígidos e, depois da morte da mãe, mais flexível; ela, ainda que perturbada pelo comportamento da filha, continua sendo sua cúmplice, com os laços sanguíneos revelando-se mais fortes do que tudo. São essas cenas familiares que, como em Matarazzo, remetem o filme ao neorrealismo.
d) A importância dos espelhos, como em Douglas Sirk. Os espelhos permitem à heroína (como à de Una donna ha ucciso) dar-se conta do quanto as provas morais e os flagelos do tempo marcaram o seu rosto, muito mudado em relação ao início do filme. Os espelhos também permitem isolar os personagens e os seus corpos, inseri-los numa moldura particularmente significativa, quase abstrata, que retoma a situação da protagonista em um dado momento. Penso, por exemplo, na cena em que Liana e seu marido avaliam a falência da sua união.
e) O flashback. O filme é baseado num salto retrospectivo, que compreende a quase totalidade da ação, como aliás também ocorre em Traviata 53, Una donna ha ucciso e Nel gorgo del peccato. Trata-se de um procedimento muito frequente no mélo, que de certa forma aproxima o filme a outros de maiores ambições: o salto retrospectivo, nos anos 1945-55, era uma das constantes dos filmes arty. É um fator que evita a banalidade da narração linear e cronológica (típica, por sua vez, de Matarazzo), assim como a voz off (que é muito empregada em Una donna libera), os enquadramentos oblíquos (há dois deles), o flou e as sobreimpressões. O flashback permite situar o filme num plano mais elevado em relação à norma: não devemos esperar para descobrir o que vai acontecer, mas o crime já aconteceu, ou então a heroína já morreu (ver Traviata 53). O suspense é menos vulgar: o espectador não se pergunta "o que vai acontecer?", mas sim "como chegaremos a este ponto?". Além disso, conhecer o fim do filme desde o início reforça o sentimento da existência do Destino. O Destino, elemento base do mélo...
Uma parte do filme é ambientada em Paris, dado que trata-se de uma co-produção ítalo-francesa; mas trata-se apenas de material de arquivo, dado que não filmou-se nada em Paris: o carro do arquiteto desloca-se em uma Paris noturna, de forma que o exterior permanece invisível. Muito conveniente... Co-produção: portanto, os dois atores principais são franceses: Françoise Christophe, excelente atriz trágica e intérprete teatral, que reencontraremos em um outro grande mélo assinado por Abel Gance, Marie Tudor (1966), e Pierre Cressoy. Por que Pierre Cressoy? Porque era um papel de diretor de orquestra, e Cressoy tinha acabado de interpretar o personagem de Giuseppe Verdi no filme homônimo de Matarazzo. Cressoy é tão severo em Matarazzo, com sua barba e bigode, quanto é grandiloquente em Cottafavi, desbarbado e com a cara redonda. Mas é o próprio papel que assim exige: aqui, trata-se de um dândi, de um Don Juan cínico e pretensioso, cheio de si, seguro do próprio talento, que deve ser detestável aos olhos do público, que assim aceitará mais facilmente o seu assassinato pela heroína. Ela chega a questionar se ele realmente tem talento: "Só sabe tomar; um artista tem que dar" – Liana, perto do fim do filme, sabe descrevê-lo com perspicácia. Ele sabe muito bem como sobrecarregar o patetismo de Tchaikovsky, é fácil, mas vemo-lo interpretar muito mal Mozart, Vivaldi ou Bach. É um blefe. Cressoy é um ator medíocre, mas é perfeito para o papel, visto que interpreta uma grande fraude de artista, um fanfarrão.
Dois atores franceses para os protagonistas e, para o resto, com excessão de Christine Carère, apenas italianos, entre os quais Elisa Cegani, atriz muito eficaz no papel da mãe, ex-diva onipresente no cinema mussoliniano (Ma non è una cosa seria!, Ettore Fieramosca, La corona di ferro), que agradava portanto ao público mais velho. Logo, não há uma versão original do filme. Os dois protagonistas são dublados por atores italianos na versão italiana e, na versão francesa, são os italianos a serem dublados (numa maneira que enfatiza o tom melodramático, sobretudo na parte ligada ao meio artístico, que parece mais atenuado no original). É notável o grande cuidado que Cottafavi reserva aos figurantes. Nunca os vemos rígidos em ações banais: cada um deles tem uma vida própria e peculiaridades, que testemunham uma grande criatividade (o senhor com a bengala descendo as escadarias, o policial ao final, os estudantes se bicando ao fundo).
São particularmente admiráveis os momentos de bravura do filme. O primeiro não se nota muito: é discreto, mas atinge o espectador atento pelo virtuosismo velado do diretor. Gino Cervi (outra guest star passageira) e a heroína mantiveram, até esse momento, uma relação estritamente profissional, ele como empregador, ela como decoradora; no nível da imagem, a relação continuará a mesma até o fim da cena. Mas a pista sonora é a seguinte:
Ele (in): – Ouça... Talvez lhe parecerá ridículo. Um homem da minha idade sempre corre o risco de soar ridículo quando diz essas coisas...
Ela (over): – Eu sabia o que ele ia me dizer. Eu já esperava por aquele momento, quase aterrorizada. Em vez disso, quando falou com aquela bondade, aquela simplicidade que só Massimo tinha, senti uma grande calma tomar conta de mim. Eu olhava-o, e sentia muita gratidão por ele, e tinha vontade de chorar. Nos casamos em maio.
E, não obstante o fato de que os seus rostos nunca tenham se aproximado, com a câmera permanecendo no semblante sonhador de Liana, Cottafavi corta imediatamente para o bolo de casamento. Um tour de force do tipo só poderia ocorrer a um narrador de gênio: não mostrar nada e, em dez segundos, duas vidas mudam completamente sem que o público sinta sequer um sacolejo. Tudo ocorre docemente, como o correr de um rio. A voz-over às vezes permite, como neste caso, eliminar a pista sonora, porque é capaz de exprimir muito mais diretamente aquilo que o diálogo diria de modo muito mais prolixo e banal.
O verdadeiro momento de bravura encontra-se ao fim do filme, e revela uma maestria, uma rapidez e uma densidade excepcionais. Na casa da família, alguém está escutando a Patética de Tchaikovsky. Liana está ali. Logo damo-nos conta de que trata-se do fim do concerto de Gerardo, transmitido ao vivo pela rádio. Ora, Leonora, a irmã mais nova, tinha ido a um concerto esta noite. Liana entende tudo, sobretudo porque, na cena precedente, Leonora repetira algumas palavras que Gerardo dizia com frequência. Liana revira, frenética, as gavetas de Leonora (com um uso muito hitchcockiano do detalhe), enquanto a música cresce, e descobre uma foto de Gerardo dedicada a Leonora. Gerardo, no camarim, convida Leonora a sair pela esquerda. E, com um extraordinário efeito de montagem, Liana, que ainda está na sua casa, avança na direção contrária. A mulher vai de encontro a Gerardo.
O confronto entre os três protagonistas é retomado apenas em conjuntos a dois, que excluem o terceiro personagem, de modo a aumentar ainda mais a tensão. A câmera frequentemente desliza pelos rostos dos personagens, lendo nos rostos de perfil, mais do que nos frontais, as reações mais interessantes2, numa técnica que remete a Ophüls e a Preminger. Depois, após a briga, com Leonora acusando injustamente a irmã de ciúmes, Liana e Gerardo ficam a sós, um de frente para o outro, na supracitada cena do revólver. Aqui, assistimos a um efeito famoso, usado por Cottafavi pela primeira vez em Traviata 53: breve travelling in em Liana empunhando o revólver, e logo em seguida um equivalente travelling out da mulher matando Gerardo, sentado ao piano. Abatimento cacofônico dos dedos no teclado: uma nota surda, áspera e prolongada. Esse movimento contraditório, absurdo, ilustra bem a culminação da crise; o ir e vir da câmera melhor exprime as contradições de Liana e a sua confusão.
Depois, ao fim da longa caminhada de Liana pelas ruas da cidade, a câmera ergue-se das costas da heroína e revela a delegacia de polícia, às portas da qual o policial de serviço, de uniforme, a deixa entrar, fumando tranquilamente um cigarro. Portanto, acompanhados de uma música tonitruante, acabamos de assistir a uma série de lugares-comuns que encerram-se com uma nota contraditória e insólita, o cigarro do guarda, quando esperávamos assistir, na delegacia de polícia, a todo um arsenal repressivo trágico e convencional. É a cereja do bolo. Trata-se de uma das sequências mais belas (na verdade são seis, mas conectadas entre si pela liga musical) da história do cinema italiano, junto à do casal morto abraçado em Pompeia em Viaggio in Italia de Rossellini e à da descoberta, pelo garotinho, da infidelidade de sua mãe em Catene de Matarazzo. Eu vi essa sequência no dia 4 de maio de 1955, por volta das 11h30 da manhã, no cinema Le Paris, nos Champ Elysées, e ainda me lembrava bem dela trinta e cinco anos depois. Não tinha me esquecido de nada. Certamente, a sequência de Rossellini tem um sentido profundo, a fragilidade e a eternidade do homem e do amor, um sentido que o final de Cottafavi, exercício de estilo gratuito fundado em lugares-comuns, não possui. Mas o sublime frequentemente nasce de material inerte, pois é-se forçado a dar o máximo de si para fazer com que a mediocridade ou convencionalidade do roteiro seja esquecida. Assim, é justamente por terem um roteiro horrível que Magnificent Obsession (Douglas Sirk, 1953) ou Yoshiwara (Max Ophüls, 1937) são filmes extraordinários.
Em Cottafavi, existem ainda outros momentos de bravura do tipo, não tanto em Traviata 53, que segue um percurso mais realístico, muito pé-no-chão, mas em um filme ademais desigual como Nel gorgo del peccato (1953), no qual encontramos três cenas estupefacientes:
No início, um belo plano da cidade vista de cima acompanha a voz-over da mãe Rita (mais uma vez, a magnífica Elisa Cegani), que nos fala lá de cima, do céu ao qual acabou de se unir, comentando o futuro de seu filho, que ela conseguiu salvar;
Ao fim, a cena que explica o porquê daquele fim trágico: para demonstrar a inocência do filho Alberto, injustamente acusado de ter assassinado a noiva Germaine, Rita força o assassino a também matar ela. Dado que ele será reconhecido culpado pelo assassinato de Rita, a polícia notará a semelhança com a morte de Germaine e Alberto será inocentado. Uma situação dramática insólita e forte que será retomada em um episódio de Derrick.
No meio do filme, na frente do policial, Rita pergunta a Germaine, prestes a morrer, qual o nome de seu assassino. Germaine, em coma, não tem como ouvir a pergunta, e não pode fazer outra coisa a não ser murmurar, em seu último suspiro, o nome do homem que ama, Alberto, que será imediatamente acusado pelo policial.
No festival de Locarno de 1994 Cottafavi torceu um pouco o nariz para Una donna libera. Disse-nos que não revia o filme há quarenta anos. Parecia não importar muito a ele. Desagradavam-lhe sobretudo os elementos dannunzianos e decadentes do material de origem. Parecia preferir, aos seus filmes de gênero, que filmava por falta de coisa melhor, os seus telefilmes, baseados em autores célebres, pelos quais podia reivindicar a solidez do libreto tanto quanto a da partitura. Uma reação compreensível se pensarmos que o filme, quando estreou, seja na França ou na Itália, não obtivera nenhuma resenha favorável da crítica, que buscava, em vez disso, a garantia de um conteúdo ideológico potente e politicamente marcado (à esquerda), sendo incapaz de conceber a ideia de que um filme de gênero pudesse ser de qualidade; por isso, o melodrama era sistematicamente excluído do seu favor. Ademais, após a apresentação de Fiamma che non si spegne na mostra de Veneza de 49, Cottafavi veio a ser (estupidamente) rotulado pela imprensa italiana como um trovador do fascismo. Ninguém defendia o seu trabalho. Cottafavi me contou até que, um dia, ele vira Rossellini de relance saindo da sessão de um filme seu, creio que Traviata 53, e Rossellini nunca quis admitir ter sequer visto um filme de Cottafavi! E, por fim, não obstante a embalagem comercial de melodrama, Una donna libera arrecadara menos do que um dos monumentos do neorrealismo, anti-espetacular ao máximo, Umberto D.: 107 milhões de liras contra os 96 milhões do filme de Cottafavi. É arriscado ter ao mesmo tempo um pé no artístico e outro no comercial... estamos bem longe também dos resultados dos melodramas mais populares: 958 milhões de liras para I figli di nessuno de Matarazzo. Cottafavi dizia até que aqueles seus melodramas tinham sido um fiasco absoluto: uma forma de modéstia excessiva quase coquete, que acabou conquistando-lhe algumas simpatias. Mas seria absurdo, de sua parte, rodar cinco melodramas em sequência se nenhum desses sequer tivesse obtido um sucesso ainda que mínimo. É provável, em vez disso, que os seus filmes, dados os temas e atores envolvidos, tenham vendido muito bem no exterior, sobretudo nos países hispânicos e na Alemanha.
Não é muito claro o motivo pelo qual Cottafavi, após esse filme, abandonou o melodrama. Talvez porque os filmes não arrecadavam o suficiente? Porque Cottafavi já estava farto de rodar filmes adaptados de um material de base indigno dele? Ou talvez porque ele sentia já ter explorado todos os recursos do gênero? Porque não podia fazer melhor do que Una donna libera? Recordemo-nos, por outro lado, que ele abandonou o peplum logo após os resultados excepcionais dos seus dois Ercole, o que nos deixa supor que essas renúncias tenham sido fruto de uma iniciativa antes sua que dos produtores.
– Bianco & Nero #559 (edição dedicada a Cottafavi), setembro-dezembro de 2007, pp. 67-74.
Traduzido do Francês para o Italiano por Chiara Tognolotti.
Traduzido do Italiano para o Português por Gabriel Carvalho.
Cottafavi é um melômano apaixonado. Prova disso são as tentativas de música experimental e exótica em Traviata 53 e Nel gorgo del peccato, filme policial vulgar no qual essas surgem totalmente deslocadas. Nunca a música foi tão inseparável de um filme como em Una donna libera, a não ser no caso de I've always loved you (Frank Borzage, 1946).
Como ocorre na cena em que Gino Cervi e Françoise Christophe separam-se, com o cansaço que lemos por um único instante em seus rostos; e Cervi vê bem esse sentimento quando olha para sua mulher. A voz-over é quase pleonástica.