UM TRABALHO EXEMPLAR: COTTAFAVI NA TELEVISÃO
Paul Agde, Présence du Cinéma nº9, dezembro de 1961
UM TRABALHO EXEMPLAR: COTTAFAVI NA TELEVISÃO [Excerto]
por Paul Agde, Présence du Cinéma nº9, dezembro de 1961
A televisão italiana não existe. A tela permanece em branco, deixando aparecer de vez em quando apenas a figura de um ministro ou de um papa, ou então um balão ou uma roda de bicicleta. Se me limito a fazer esta constatação, sem estudar as causas e os efeitos, é visando uma melhor compreensão do fato de que as dez obras encenadas por Cottafavi para a telinha apresentam-se em igual número sob a forma de milagres.
Cottafavi, que é também um encenador de teatro, não tinha como não ser irresistivelmente atraído por essa nova forma de se "fazer ver", ele que, como já foi dito alhures, possui desde sua juventude uma paixão por toda sorte de espetáculo. Ora, ele compreendeu justamente que, na televisão, o objetivo principal é o personagem. Este deve impor-se imediatamente perante o espectador: a eficácia do herói e de seus gestos torna-se muito mais imperiosa devido a estes dois fatores condicionais: tempo e dinheiro. O resto, os cenários, os figurinos, situam-se necessariamente em segundo plano.
A televisão cria um contato imediato, uma intimidade através da tela, não entre o ator e o espectador, mas entre o próprio personagem que pertence a uma outra realidade e a realidade à qual pertencemos. É por isso que Cottafavi criou sua televisão em função do ator. Pude estudar ser trabalho, observando, nos modernos estúdios de Roma, seis de suas realizações, filmadas ao vivo e projetadas sobre a tela: Antigone, Processo di famiglia, Casa di bambola, Umiliati e offesi, L'avaro e Sette piccole croci.
Antes de extrair destes trabalhos aquilo que me parece ser o caráter essencial de cada um deles1, convém sublinhar a rapidez com a qual estas transmissões foram efetuadas, no que concerne tanto os ensaios e a preparação técnica quanto o cenário, os problemas suscitados pela luz ou as pesquisas em torno dos acompanhamentos musicais (ponto sobre o qual Cottafavi mostra-se particularmente exigente, face à incompreensão ou à indiferença de seus colaboradores).
ANTIGONE – Cottafavi nas origens da tragédia. Nada a ver, evidentemente, com o pseudo-classicismo colocado ao alcance educação pública. Trata-se da condição humana e da cegueira dos homens perante a verdade. A presença dos deuses os envergonha, e o alcance de seus jogos terríveis os escapam. A nudez do homem perante o seu vazio é como uma definição da fatalidade: Cottafavi encena Antigone em colaboração com Kafka e o resultado é tal que temos a impressão de assistir a uma tragédia de Sófocles pela primeira vez. Antígona (Valentina Fortunato) é feia, mas transfigura-se. Sua boca retorce com vociferações e blasfêmias contra a lei dos homens, para melhor respeitar a lei do homem, sozinho face aos deuses. Antígona não tem medo dos deuses. A única lei que ela conhece, a do amor, não é uma blasfêmia. A guerra de Antígona não terá lugar, porque a vontade de Creonte (Antonio Crast) quer rivalizar em potência com a dos deuses. A tragédia que vi era um longo monólogo em que a presença da morte era muda: a morte, sombra de Antígona. Essa mulher livre caminha em direção à sua morte por fidelidade ao amor e ao seu dever, transfigurada pelo destino que ela designou para si mesma. Ela evolui em meio ao palácio de Creonte, neste cenário ativo que está o tempo todo a serviço da ação. A câmera segue os personagens principais e o coro, personalizado por quatro soldados e sacerdotes, enquadrando alternadamente as duas escadas que conduzirão Antígona à morte que ela exige e Eurídice e Hémon ao suicídio que a fúria de Creonte lhes consagra. A morte liberta-os da loucura de um homem nas garras da divindade. A mise en scène de Cottafavi esculpe os heróis na forma de personagens humanos: tragédia feita carne. Enrico-Maria Salerno, que interpreta ambos Hémon e o Mensageiro, ilustra essa incarnação. Salerno, o melhor ator italiano atualmente, é um dos intérpretes preferidos de Cottafavi. Uma sensibilidade e uma consciência excepcionais o permitem colaborar de forma extremamente estreita com a mise en scène do drama. Assim, a interpretação burlesca que ele faz do Mensageiro não é, como em Anouilh, uma pausa, um respiro em meio a tanto sangue, tantas lágrimas; não é um riso, nem uma careta, mas um outro limite do homem. Instrumento inconsciente da fatalidade, apenas seus olhos viram o que ele sabe, e seus olhos admiram Creonte, e respeitam o poder que o esmaga. É um personagem impotente face ao terror, da mesma forma que Hémon só pode ser impotente face à felicidade insana de Antígona. Não vemos a morte de Hémon; a lemos no rosto de Eurídice, no seu estupor, poucos instantes antes dela reencontrar seus dois filhos, antes de fugir para uma terra onde a vida não é mais humana. Enfim, como esquecer a aparição de Tirésias, cego à paz terrível, cujas mãos erguidas em direção a estas vítimas ofegantes parecem querer arrancar os véus que as sufocam...
Com exceção de Sette piccole croci (sua primeira tentativa), tirado da obra de Simenon, baseado num material de tal pobreza que toda a consciência profissional empregada em salvá-lo não impede que seu interesse principal seja ter permitido a entrada de Cottafavi nos estúdios da R.A.I.